Ato em Cabula relembra a Chacina de 12 jovens negros e pedido de federalização do caso

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Ato relembra Chacina do Cabula | Foto: Lena Azevedo

 

No dia 27 de fevereiro de 2016, dezenas de moradores e apoiadores da Campanha Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto, da Bahia e do país estiveram no ato que lembrou um ano da Chacina do Cabula, em 6 de fevereiro de 2015, quando 12 jovens negros foram executados por policiais das Rondas Especiais (Rondesp), na Vila Moisés, região do Cabula, em Salvador. Familiares das vítimas reafirmaram que esperam a responsabilização do Estado pelas mortes dos meninos. “Para além dos fatos, dos documentos, nossa voz precisa ser ouvida. Precisamos dizer que esses jovens foram abatidos como animais”, afirmou a prima de uma das vítimas.

 

Hamilton Borges, coordenador da Reaja, criticou o silêncio de pessoas e entidades do movimento negro em relação às mortes na Bahia e reafirmou a importância da federalização do caso: “Morremos aqui como insetos. Matam-nos como se fossemos baratas e nada acontece. A única possibilidade de responsabilizar o estado por esses crimes é federalizando a Chacina do Cabula”, afirmou.

 

Mesmo nas músicas, nos raps saídos da pick-ups do DJ Gug, como “Racistas Otários”, dos Racionais, ou nas vozes dos grupos Nova Era e Maus Elemento, a crítica às execuções sumárias na Bahia dava o tom. “Não adianta ser favela, tem que ter conceito”, ou, ao abordar o racismo que estrutura as relações no país: “sei que o meu passado boicotou o que sobrou do meu futuro”. Ainda dos Maus Elementos, usando como base Back to Black, de Amy Winehouse, a letra aborda toda a perseguição aos negros e avisa: “eu tô vivo nessa porra mesmo”.

 

Tanto os Maus Elementos como o Nova Era fizeram composições específicas sobre a Chacina do Cabula. Do Nova Era surgem vozes gravadas de testemunhas do crime, logo após as execuções dos 12 jovens e como a polícia agiu para emboscar e matar os meninos no campo de Vila Moisés e termina com uma gravação de reportagem dizendo que os policiais foram absolvidos e voltaram para as ruas.

 

Ato relembra Chacina do Cabula | Foto: Lena Azevedo
Ato relembra Chacina do Cabula | Foto: Lena Azevedo

 

No centro da Vila Moisés, uma baixada cercada de becos que dão acesso a outros pontos da comunidade, um palco foi armado às 8h, com espaço para falas dos familiares não só da região de Cabula, mas também do Rio de Janeiro, como Adriana Braga, mãe de Rafael Braga, negro, na época morador de rua, o único condenado nas manifestações de 2013 no Rio. Rafael estava com desinfetantes quando foi preso pela polícia, que o denunciou por porte de “explosivos”. Recentemente em liberdade provisória, usando tornozeleira eletrônica, foi preso novamente quando saia da casa da mãe para comprar pão, num flagrante forjado. Policiais plantaram o chamado kit flagrante, uma porção de drogas e um rojão para acusá-lo de tráfico[1].

 

Irone Santiago, moradora da Maré e mãe de Vitor Santiago, um sobrevivente da violência do estado, relatou o caso do seu filho, atingido por dois tiros de fuzil 7.62, disparados por militares do Exército que ocupavam o complexo de favelas no Rio de Janeiro[2]. Irone lembrou que Vitor foi baleado uma semana após a chacina do Cabula, ficou 98 dias em coma, teve uma perna amputada, perdeu parte do pulmão e não tem movimentos da cintura para baixo. “Um ano para descobrir que o Exército não registrou o caso do meu filho e só soubemos disso com a ajuda do advogado da Reaja, que foi ao Rio ver por que o inquérito não andava. Um ano sem qualquer assistência por parte do Estado”, denunciou Irone. Após um vídeo nas redes sociais, feito pela Justiça Global, o caso ganhou repercussão e o escritório de advocacia de João Tancredo, referência na defesa dos direitos humanos violados pelo Estado, decidiu assumir a causa de Vitor.

 

Nas proximidades do palco, atividades para crianças e oficinas para a comunidade. À 14h30, o grupo seguiu para o campo onde ocorreram as mortes e lá Hamilton explicou todo o processo de Cabula e falou da importância de todos saírem em defesa da federalização do caso.

 

No ato, flores para os 12 mortos, falas de moradores e um manifesto contra as mortes, com meninos vestindo camisetas pretas com nomes de pessoas executadas pela polícia não só no Cabula e na Bahia, mas em outros lugares, como no Rio de Janeiro. Um dos nomes é o de Claudia Silva Ferreira, de 38 anos, auxiliar de limpeza, assassinada por policiais militares no Morro da Congonha, Zona Norte do Rio, em 16 de março de 2014. Cláudia saia para comprar pão quando os PMs dispararam tiros no seu pescoço e nas costas. Desacordada, foi colocada em uma viatura. “Adiante, na Estrada Intendente Magalhães, seu corpo aparentemente sem vida rolou do porta-malas e, preso por um pedaço de roupa, foi arrastado pelo asfaltopor pelo menos 250 metros sem que os policiais no carro dessem atenção aos apelos de outros motoristas e pedestres”[3].

 

O Tributo aos jovens negros executados na Vila Moisés/Cabula: um ano lutando por justiça também marcou o lançamento do jornal Assata Shakur, liderança negra norte-americana, presa e condenada pela morte de um policial e que mesmo sem a comprovação do crime valeu a ela a prisão perpétua. Conseguiu fugir da cadeia e se exilou em Cuba desde 1979. Apesar de o caso ter completado 40 anos em 2013 e não se enquadrar como atividade de grupos do terror, Assata, que hoje tem 66 anos, foi incluída como primeira mulher a figurar na lista dos 10 terroristas mais procurados dos EUA.

 

“Estamos retomando a tradição de uma mídia impressa, autônoma feita por nós, negras e negros, abordando nossos problemas. Isso é muito importante na nossa luta. Aqui é resistência, aqui é Reaja!”, afirmou Hamilton.

 

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[1] http://ponte.org/rafael-braga-e-preso-com-flagrante-forjado-novamente/ e em http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/14/politica/1452803872_078619.html

[2] http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2015-02-13/carro-com-jovens-e-fuzilado-na-mare-por-militares-da-forca-de-pacificacao.html

[3] https://pt.globalvoices.org/2014/03/24/claudia-ferreira-da-silva-morta-em-acao-policial-tornada-invisivel-pela-midia/

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