|  Por Aline Dias

Foto publicada pelo jornal O Globo em 2012 é a mesma da matéria de 1971, diz Viomundo

Assassinato de Raul Amaro: Globo publica as mentiras da ditadura militar; 40 anos depois, sofre “amnésia” sobre o caso

Foto “descoberta” pelo Globo em 2012 é a mesma que o jornal publicou em matéria de 1971. Naquela, o Globo usou foto divulgada pelos órgãos de repressão e apresentou a versão deles como  se fosse a verdadeira sobre a prisão, tortura e assassinato de Raul Amaro

por Conceição Lemes

Raul Amaro Nin Ferreira, engenheiro, primogênito dos oito filhos do casal Joaquim Rodrigo Lisboa de Nin Ferreira e  Mariana Lanari Ferreira.

Na madrugada de 1º de agosto de 1971, ao voltar de uma festa, Raul Amaro foi preso por acaso numa batida de polícia na rua Ipiranga, em Laranjeiras, Rio de Janeiro. Juntos, no carro, Saididin Denne, colega de Raul no Ministério da Indústria e Comércio, e a esposa Yone.

No porta-luvas, foram encontrados dois “croquis” de ruas de São Paulo e na bolsa de Yone, um “croqui” de ruas do então Estado da Guanabara.

Nada mais eram do que mapas do percurso da casa de Coleta, irmã de Raul, na Vila Madalena, até a Via Dutra, para ele não se perder no bairro e na Marginal do Tietê. O croqui do Rio de Janeiro referia-se ao endereço de Raul na cidade.

Porém, na versão do Centro de Informação do Exército (CIE), os “croquis retratavam residências de generais e almirantes”, que seriam alvo de ação guerrilheira. Raul permaneceu preso. Saididin e Yone foram liberados.
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O relatório parcial da Comissão Nacional da Verdade, divulgado em 2012, concluiu: Raul Amaro Nin Ferreira, 27 anos, assassinado possivelmente em 12 de agosto de 1971 no Rio de  Janeiro, após seguidas sessões de tortura.

Fato sabido desde 1982 devido à ação movida por sua mãe, ainda sob a ditadura.

Em 1979, dona Mariana entrou com ação na 9ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro: “Queria apenas que o Estado reconhecesse que errou, torturou  e  matou meu filho,  para que  isso  jamais aconteça novamente no Brasil”.

Em 31 de agosto de 1982, a União foi condenada em primeira instância.

Em 1994, saiu a decisão final, fortalecendo a versão da família. Raul Amaro não teve morte natural, como dizia o laudo da autópsia oficial, nem sofreu um infarto, como militares disseram à dona Mariana. Raul Amaro foi assassinado nos porões da ditadura.

O processo trazia ainda depoimentos importantes. Entre os quais, o de um ex-soldado do Exército, Marco Aurélio Magalhães. Á época, ele prestava serviço no DOI-Codi/RJ — o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, no Rio de Janeiro — e viu Raul Amaro ser torturado nas dependências daquele órgão.

A tragédia destroçou a família. Tanto que o sentimento geral, principalmente depois da morte de dona Mariana, em 2006, era de não tocar no assunto.

Até 17 de julho de 2012, quando saiu a reportagem Foto localizada pelo Globo revela: preso chegou ao Dops vivo, que mencionava documentos do Serviço Nacional de  Informações (SNI) existentes no  Arquivo Nacional.

A matéria e o ambiente de Comissão Nacional da Verdade sacudiram Felipe e Raul Carvalho Nin Ferreira, sobrinhos de Raul Amaro, que decidiram ir além.

“Aí, tivemos a certeza da existência de uma farta documentação, que a família jamais teve acesso”, contam. “Nossa primeira iniciativa foi contatar Marcelo Zelic, para que, com sua experiência, nos ajudasse a fazer a pesquisa nos  arquivos públicos.”

Marcelo Zelic é coordenador do Projeto Armazém Memória e vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais  – SP. É também um dos responsáveis pela publicação do Brasil Nunca Mais  Digital.

“Felipe e Raul expuseram o desejo de continuar apurando o caso do tio, dando sequência ao trabalho da avó, dona Mariana”, relata Zelic. “Topei imediatamente.”

O resultado é o Relatório Raul Amaro Nin Ferreira, que o Viomundo publica em primeira mão. De autoria de Felipe Carvalho Nin Ferreira, Raul Carvalho Nin Ferreira e Marcelo Zelic, ele tem 226 páginas e está integralmente no final desta reportagem.

Baseado em documentos do Estado brasileiro, produzidos pelas forças de segurança e pelo Judiciário, e em entrevistas com pessoas participaram dos fatos, este relatório desmonta de vez a versão oficial, difundida num texto produzido pelo Centro de Informações do Exército (CIE).  Além disso, traz  novas informações em relação ao que já se conhecia sobre o caso.

HÁ INDÍCIOS DE O ÓBITO TER SIDO NO DIA ANTERIOR AO CITADO NA AUTÓPSIA

O Brasil vivia o auge da ditadura civil-militar, o general Emílio Garrastazu Médici  (1969 a 1974) era o presidente.

Raul Amaro não era um militante da luta armada, como os informes da ditadura diziam.

Ao contrário, no início da sua juventude, até chegou a ver com bons olhos o Golpe de 1964. Mas, aos poucos, foi mudando. Participou das passeatas de 1968. Na época em que foi preso e assassinado pela ditadura, era simpatizante do MR-8  – o Movimento Revolucionário Oito de Outubro, uma dissidência do Partido Comunista Brasileiro (PCB)  no Rio de Janeiro.

Seu único contato era Eduardo Lessa, colega de PUC, este, sim, militante do MR-8.  Às vezes deixava que Lessa  imprimisse material político em sua casa. Outras, deixava que ficasse em sua casa.

Raul Amaro foi preso no contexto da caça ao capitão Carlos Lamarca, que rompera com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e tinha ido para o MR-8. O raciocínio dos agentes da ditadura era que, via Raul Amaro, se chegaria a Eduardo Lessa e de Lessa a Lamarca.

Por sinal, foi a partir de agosto de 1971  que as torturas no DOI-Codi/RJ ficaram mais sofisticadas, segundo o ex-soldado Marco Aurélio Magalhães, que viu Raul Amaro ser torturado no DOI-Codi. Em entrevista à Folha de S. Paulo, ele descreve as mudanças nas técnicas de tortura:

A partir de agosto de 71 as torturas ficaram mais sofisticadas. Quando eu cheguei, as torturas, os métodos de obterem confissão, eram basicamente a força física. Muito pescoção, muito tapa, muito soco, muito chute, vez ou outra choque elétrico nos dedos e órgãos genitais. Às vezes introduziam objetos na vagina ou no ânus. Estes eram os métodos iniciais. Eu entrei em maio, tive um mês de preleção, comecei a dar guarda em junho e mais ou menos em, agosto começaram as obras na parte térrea do prédio do PIC para construção de celas mais sofisticadas. Eles construíram lá em baixo quatro celas. Construíram uma cela-geladeira, onde realmente se chegava a baixíssimas temperaturas, uma câmara toda forrada de isopor e amianto. Construíram também uma cela com vários botões do lado de fora com os quais você controlava e emitia ruídos e sons altíssimos para o preso ter sensações de desequilíbrio. Tinha uma cela totalmente negra, onde a pessoa não enxergava nada e não conseguia nunca acostumar a visão àquele grau de escuridão. Em compensação, tinha uma cela toda pintada de branco onde os presos perdiam a noção de hora, de tempo. Os presos lá em cima, do segundo andar, onde estavam as celas comuns, se guiavam pelos toques do corneteiro, para saber se estava amanhecendo, se o coronel estava saindo ou chegando, se era hora de almoço. Os presos que ficavam nas celas totalmente isoladas perdiam a noção de tempo e de espaço.

Até agora, supunha-se que:

Após ser preso na blitz em Laranjeiras, Raul Amaro foi para o Dops, na rua da Relação, 40, centro do Rio. Em seguida, depois de fichado, foi levado à casa de seus pais para pegar a chave da sua casa. Da sua casa, teria voltado para o Dops e depois ido para o DOI-Codi, que funcionava no Quartel do 1º Batalhão da Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita, 425, Tijuca.

“Porém, os documentos revelam que, depois que saiu de sua casa e antes de retornar ao Dops, Raul Amaro foi interrogado não sabe onde por agentes do Dops e do DOI-CODI”, revela Zelic. “Raul ficou, pelo menos, quatro horas, em lugar ignorado antes de dar entrada como preso no Dops.”

Supunha-se também que:

No dia 4 de agosto de 1971, Raul Amaro foi transferido para o Hospital Central do Exército (HCE), tendo falecido em 12 de agosto às 15h50, segundo o atestado de óbito.

Tudo indica, no entanto, que Raul Amaro faleceu antes.

Para começar, a própria família foi avisada do falecimento antes do horário que consta oficialmente no atestado de óbito. O relato é da própria mãe:

Por volta de 14,30  horas o  Hospital  Central do  Exército procura pelo telefone os  pais de  Raul Amaro. Sua  mãe, primeira localizada, chegou ao Hospital Central do Exército acompanhada de  seu  genro Dr. Raul  Figueiredo Filho,  por volta de 15,30  horas. Raul Amaro falecera antes das  14,00   horas.

“Além disso, relatório do DOI-Codi de 11 de agosto aponta que ‘não  houve tempo para inquirí-lo [Raul] sobre todo o material encontrado em  seu  poder’”, observa Zelic. “O que indica que Raul pode ter morrido um dia antes da data oficial, portanto em 11 de agosto, durante novo interrogatório no HCE.”

O relatório a que se refere Zelic é um documento encaminhado, no dia 12 de agosto de 1971, pela direção do DOI-Codi  ao investigador Eduardo Rodrigues. Lá consta  a análise do interrogatório a que foi submetido Raul Amaro no dia 11 de agosto. Ele termina assim: “não houve tempo de  inquiri-lo sobre todo o material encontrado em seu poder”. Os grifos em vermelho no documento abaixo são desta repórter.

Porém, na versão do Centro de Informação do Exército (CIE), os “croquis retratavam residências de generais e almirantes”, que seriam alvo de ação guerrilheira. Raul permaneceu preso. Saididin e Yone foram liberados.

O relatório parcial da Comissão Nacional da Verdade, divulgado em 2012, concluiu: Raul Amaro Nin Ferreira, 27 anos, assassinado possivelmente em 12 de agosto de 1971 no Rio de  Janeiro, após seguidas sessões de tortura.

Fato sabido desde 1982 devido à ação movida por sua mãe, ainda sob a ditadura.

Em 1979, dona Mariana entrou com ação na 9ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro: “Queria apenas que o Estado reconhecesse que errou, torturou  e  matou meu filho,  para que  isso  jamais aconteça novamente no Brasil”.

Em 31 de agosto de 1982, a União foi condenada em primeira instância.

Em 1994, saiu a decisão final, fortalecendo a versão da família. Raul Amaro não teve morte natural, como dizia o laudo da autópsia oficial, nem sofreu um infarto, como militares disseram à dona Mariana. Raul Amaro foi assassinado nos porões da ditadura.

O processo trazia ainda depoimentos importantes. Entre os quais, o de um ex-soldado do Exército, Marco Aurélio Magalhães. Á época, ele prestava serviço no DOI-Codi/RJ — o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, no Rio de Janeiro — e viu Raul Amaro ser torturado nas dependências daquele órgão.

A tragédia destroçou a família. Tanto que o sentimento geral, principalmente depois da morte de dona Mariana, em 2006, era de não tocar no assunto.

Até 17 de julho de 2012, quando saiu a reportagem Foto localizada pelo Globo revela: preso chegou ao Dops vivo, que mencionava documentos do Serviço Nacional de  Informações (SNI) existentes no  Arquivo Nacional.

A matéria e o ambiente de Comissão Nacional da Verdade sacudiram Felipe e Raul Carvalho Nin Ferreira, sobrinhos de Raul Amaro, que decidiram ir além.

“Aí, tivemos a certeza da existência de uma farta documentação, que a família jamais teve acesso”, contam. “Nossa primeira iniciativa foi contatar Marcelo Zelic, para que, com sua experiência, nos ajudasse a fazer a pesquisa nos  arquivos públicos.”

Marcelo Zelic é coordenador do Projeto Armazém Memória e vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais  – SP. É também um dos responsáveis pela publicação do Brasil Nunca Mais  Digital.

“Felipe e Raul expuseram o desejo de continuar apurando o caso do tio, dando sequência ao trabalho da avó, dona Mariana”, relata Zelic. “Topei imediatamente.”

O resultado é o Relatório Raul Amaro Nin Ferreira, que o Viomundo publica em primeira mão. De autoria de Felipe Carvalho Nin Ferreira, Raul Carvalho Nin Ferreira e Marcelo Zelic, ele tem 226 páginas e está integralmente no final desta reportagem.

Baseado em documentos do Estado brasileiro, produzidos pelas forças de segurança e pelo Judiciário, e em entrevistas com pessoas participaram dos fatos, este relatório desmonta de vez a versão oficial, difundida num texto produzido pelo Centro de Informações do Exército (CIE).  Além disso, traz  novas informações em relação ao que já se conhecia sobre o caso.

HÁ INDÍCIOS DE O ÓBITO TER SIDO NO DIA ANTERIOR AO CITADO NA AUTÓPSIA

O Brasil vivia o auge da ditadura civil-militar, o general Emílio Garrastazu Médici  (1969 a 1974) era o presidente.

Raul Amaro não era um militante da luta armada, como os informes da ditadura diziam.

Ao contrário, no início da sua juventude, até chegou a ver com bons olhos o Golpe de 1964. Mas, aos poucos, foi mudando. Participou das passeatas de 1968. Na época em que foi preso e assassinado pela ditadura, era simpatizante do MR-8  – o Movimento Revolucionário Oito de Outubro, uma dissidência do Partido Comunista Brasileiro (PCB)  no Rio de Janeiro.

Seu único contato era Eduardo Lessa, colega de PUC, este, sim, militante do MR-8.  Às vezes deixava que Lessa  imprimisse material político em sua casa. Outras, deixava que ficasse em sua casa.

Raul Amaro foi preso no contexto da caça ao capitão Carlos Lamarca, que rompera com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e tinha ido para o MR-8. O raciocínio dos agentes da ditadura era que, via Raul Amaro, se chegaria a Eduardo Lessa e de Lessa a Lamarca.

Por sinal, foi a partir de agosto de 1971  que as torturas no DOI-Codi/RJ ficaram mais sofisticadas, segundo o ex-soldado Marco Aurélio Magalhães, que viu Raul Amaro ser torturado no DOI-Codi. Em entrevista à Folha de S. Paulo, ele descreve as mudanças nas técnicas de tortura:

A partir de agosto de 71 as torturas ficaram mais sofisticadas. Quando eu cheguei, as torturas, os métodos de obterem confissão, eram basicamente a força física. Muito pescoção, muito tapa, muito soco, muito chute, vez ou outra choque elétrico nos dedos e órgãos genitais. Às vezes introduziam objetos na vagina ou no ânus. Estes eram os métodos iniciais. Eu entrei em maio, tive um mês de preleção, comecei a dar guarda em junho e mais ou menos em, agosto começaram as obras na parte térrea do prédio do PIC para construção de celas mais sofisticadas. Eles construíram lá em baixo quatro celas. Construíram uma cela-geladeira, onde realmente se chegava a baixíssimas temperaturas, uma câmara toda forrada de isopor e amianto. Construíram também uma cela com vários botões do lado de fora com os quais você controlava e emitia ruídos e sons altíssimos para o preso ter sensações de desequilíbrio. Tinha uma cela totalmente negra, onde a pessoa não enxergava nada e não conseguia nunca acostumar a visão àquele grau de escuridão. Em compensação, tinha uma cela toda pintada de branco onde os presos perdiam a noção de hora, de tempo. Os presos lá em cima, do segundo andar, onde estavam as celas comuns, se guiavam pelos toques do corneteiro, para saber se estava amanhecendo, se o coronel estava saindo ou chegando, se era hora de almoço. Os presos que ficavam nas celas totalmente isoladas perdiam a noção de tempo e de espaço.

Até agora, supunha-se que:

Após ser preso na blitz em Laranjeiras, Raul Amaro foi para o Dops, na rua da Relação, 40, centro do Rio. Em seguida, depois de fichado, foi levado à casa de seus pais para pegar a chave da sua casa. Da sua casa, teria voltado para o Dops e depois ido para o DOI-Codi, que funcionava no Quartel do 1º Batalhão da Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita, 425, Tijuca.

“Porém, os documentos revelam que, depois que saiu de sua casa e antes de retornar ao Dops, Raul Amaro foi interrogado não sabe onde por agentes do Dops e do DOI-CODI”, revela Zelic. “Raul ficou, pelo menos, quatro horas, em lugar ignorado antes de dar entrada como preso no Dops.”

Supunha-se também que:

No dia 4 de agosto de 1971, Raul Amaro foi transferido para o Hospital Central do Exército (HCE), tendo falecido em 12 de agosto às 15h50, segundo o atestado de óbito.

Tudo indica, no entanto, que Raul Amaro faleceu antes.

Para começar, a própria família foi avisada do falecimento antes do horário que consta oficialmente no atestado de óbito. O relato é da própria mãe:

Por volta de 14,30  horas o  Hospital  Central do  Exército procura pelo telefone os  pais de  Raul Amaro. Sua  mãe, primeira localizada, chegou ao Hospital Central do Exército acompanhada de  seu  genro Dr. Raul  Figueiredo Filho,  por volta de 15,30  horas. Raul Amaro falecera antes das  14,00   horas.

“Além disso, relatório do DOI-Codi de 11 de agosto aponta que ‘não  houve tempo para inquirí-lo [Raul] sobre todo o material encontrado em  seu  poder’”, observa Zelic. “O que indica que Raul pode ter morrido um dia antes da data oficial, portanto em 11 de agosto, durante novo interrogatório no HCE.”

O relatório a que se refere Zelic é um documento encaminhado, no dia 12 de agosto de 1971, pela direção do DOI-Codi  ao investigador Eduardo Rodrigues. Lá consta  a análise do interrogatório a que foi submetido Raul Amaro no dia 11 de agosto. Ele termina assim: “não houve tempo de  inquiri-lo sobre todo o material encontrado em seu poder”. Os grifos em vermelho no documento abaixo são desta repórter.

Eduardo Rodrigues era do DOPS/RJ. Ele foi um dos policiais autorizados pelo general Sylvio Frota, comandante do I Exército, a entrar no HCE, no dia 11 de agosto, para interrogar Raul Amaro.

Documento logo abaixo abaixo comprova isso. Eduardo Rodrigues consta como torturador no Relatório Brasil Nunca Mais.

RAUL AMARO PODE TER SIDO TORTURADO NO HOSPITAL CENTRAL DO EXÉRCITO

Na época, o diretor do HCE era o general Ruben do Nascimento Paiva.

Dona Mariana relata:

O Diretor General Rubens nos disse que Raul Amaro deu entrada no HCE na quarta-feira, 4 de agosto, sem nome e sem  informação alguma sobre o que  lhe  tinha acontecido.

Até agora, supunha-se que:

Raul Amaro teria ficado em tratamento no HCE ,de 4 a 12 de agosto de 1971, quando faleceu, segundo o atestado de óbito.

“Acontece que Raul Amaro foi interrogado no dia 11 de agosto de 1971 no Hospital Central do Exército”, diz Zelic. “Há um ofício desse mesmo dia, encaminhado ao diretor do HCE, general Ruben do Nascimento Paiva, por ordem do general Sylvio Frota, para interrogar Raul Amaro.”

No documento (imagem abaixo), o comandante do I Exército, Sylvio Frota, “apresenta o Comissário Eduardo Rodrigues e o Escrivão Jeovah Silva, ambos do DOPS, que vão a este hospital, a fim de interrogarem o preso Raul Amaro Nin Ferreira” (grifo dos autores do Relatório Raul Amaro).

“Não há qualquer registro de transferência de Raul Amaro do HCE para outro local para ser interrogado, porém há documento com  informações dadas por ele em  interrogatório no dia 11 de agosto”, chama a atenção Zelic. “Isso levanta a hipótese de que Raul Amaro foi  interrogado sob  tortura, até a morte, dentro do próprio hospital. Além dos dois agentes do Dops, devem ter participado dois do DOI-Codi/RJ”

DO GENERAL SYLVIO FROTA E AUXILIARES DIRETOS AO PORÃO: 17 AGENTES ENVOLVIDOS

Até agora, sabia-se que:

Raul Amaro foi transferido do Dops para o DOI-Codi/RJ em 2 de agosto de 1971.

No DOI-Codi, foi interrogado durante quase todo o dia 3, conforme depoimento  do ex-soldado Marco Aurélio Magalhães  na ação movida pela família de Raul Amaro.

Magalhães viu Raul ser torturado e mencionou o envolvimento de três militares, mas não identificou  os nomes.

“Porém, cruzando documentos oficiais das forças de segurança e do Judiciário,  conseguimos ampliar a lista de  três pessoas sem identificação, até então apontadas no  processo da família, para 17 nomes de agentes do Estado implicados diretamente na prisão ilegal e assassinato sob  tortura de Raul  Amaro”, afirma  Zelic. “Houve participação direta do comandante do I Exército, general Sylvio Frota, e auxiliares imediatos com os agentes torturadores do Dops.”

“Na verdade, o  Ofício do I Exército ao Diretor do Hospital Central do Exército mostra o vínculo efetivo entre o comando e o porão, vinculação que sempre foi negada”, atenta Zelic. “ Sempre se atribuiu ao porão características de ação paralela e fora da estrutura do Estado, o que é falso.”

Os 17 agentes do Estado denunciados no Relatório Raul Amaro são estes:

1.  Sylvio Frota – General do  Exército – Comandante do  I Exército

11/08/1971 — Enviou ordem autorizando interrogatório de preso no hospital.

28/08/1971 — Recebeu solicitação da  OAB-GB para acesso aos  documentos do Raul  e negou.

2.   Francisco  Demiurgo  Santos  Cardoso  –  Major  do Exército – atuação QG I Exército

11/08/1971 — Na ausência do General de Brigada Bento José Bandeira de  Mello,  chefe do  Estado Maior do  I Exército, assinou autorização para “interrogatório” no HCE.

3.   João Pinto Pacca – General – Chefe  do  DOI/IEx  – BNM- Repressor

02/08/1971 — Raul  Amaro é encaminhado do DOPS ao DOI- CODI sob sua  responsabilidade, conforme relatório de Mário Borges, Chefe  do SBO.

12/08/1971 — Envia cópia de toda documentação sobre Raul Amaro a Eduardo Rodrigues através de ofício, conforme entendimentos.

4.   Nome desconhecido  – Capitão do  Exército – DOI  /  I Exército

02/08/1971 — Conduziu Raul  Amaro ao DOI.

03/08/1971  — Torturou  Raul   Amaro  no   DOI-CODI  I Exército.

5.   Nome desconhecido – Sargento do Exército – PE – Atleta do batalhão em  1971

03/08/1971  —  Torturou  Raul   Amaro  no   DOI-CODI  I Exército.

6.   Nome desconhecido – Médico Exército – Amílcar Lobo ou Ricardo Agnese Fayad

03/08/1971  —  Acompanhou  a  tortura  monitorando limite do preso.

7. Gastão Barbosa Fernandes – Diretor do DOPS/GB

01/08/1971 — Raul  Amaro ficou sob sua  responsabilidade direta ao chegar no DOPS.

18/08/1971 — Participou da farsa do Relatório Final do CIE.

8.   Mário Borges – Chefe  do  Serviço de  Buscas Ostensivas (SBO) – DOPS/GB

No Relatório  Brasil Nunca  Mais   seu   nome  consta do Quadro 103 : elementos envolvidos em  tortura.

01/08/1971 — Comandou a prisão ilegal.

01/08/1971 — Levou Raul a lugar ignorado ou clandestino.

02/08/1971 — Produziu relatório sobre a prisão.

04/08/1971 — Recebeu Registro Técnico via Diretor do DOI.

18/08/1971 — Participou da farsa do Relatório Final do CIE.

9.   Ricardo Boueri – Agente do  DOPS, chefe da  equipe de busca

01/08/1971 — Realizou a prisão ilegal.

10.  Wilson de Oliveira Souza – Delegado – Turma de Busca Ostensiva

01/08/1971 — Realizou a prisão ilegal.

05/08/1971 — Recebeu relatório sobre prisão.

05/08/1971 — Despachou soltura  de Saididin Denne e esposa.

12/08/1971 — Solicitou atualização de dados sobre a morte de Raul  Amaro no arquivo.

11.  Hugo Correa de  Mattos  – Agente da  Turma de  Busca Ostensiva

01/08/1971 — Realizou a prisão ilegal.

12.   Milton Rezende de  Almeida – Agente da  Turma de Busca Ostensiva

01/08/1971 — Realizou a prisão ilegal.

13.  Francisco Machado Avila Filho – Agente da Turma de Busca Ostensiva

01/08/1971 — Realizou a prisão ilegal.

14.  Tenil Nunes – Agente da Turma de Busca Ostensiva

01/08/1971 — Realizou a prisão ilegal.

15. Eduardo Rodrigues – Comissário – DOPS/GB

No  Relatório  Brasil Nunca  Mais seu nome  consta do Quadro 103 : elementos envolvidos em  tortura.

06/08/1971 — Recebeu relatório sobre prisão.

06/08/1971 — Abre inquérito nº 40/71 (encarregado).

11/08/1971 — Realizou interrogatório no hospital.

12/08/1971 — Recebe do general  João Pinto Pacca cópia de toda documentação após morte de Raul  Amaro.

18/08/1971 — Produziu novo auto de  apreensão e  nova lista de material apreendido.

15/09/1971 — Produziu relatório final do inquérito nº 40/71.

16. Jeovah Silva – Escrivão – DOPS/GB

11/08/1971 — Realizou interrogatório no hospital.

17. Macuco Janine – legista do HCE

– Por que o general Ruben do Nascimento Paiva, diretor do Hospital Central do Exército, ficou de fora da lista dos envolvidos? – questionamos Zelic . –  Considerando que Raul Amaro teria sido torturado até a morte no próprio HCE, o general não deixou a tortura correr solta?

“Com base no documento que reunimos, nós não podemos dizer que o general Ruben participou,  podemos dizer apenas que foi omisso”, pondera Zelic.

“É razoável supor que, no  dia  11 de  agosto, ao ser  avisado da  chegada de agentes do Dops ao HCE para interrogar Raul Amaro, ele teria impedido ou, no mínimo, dificultado, mostrando que Raul  não tinha condições e que interrogatório só com ordens superiores.  Daí o ofício do dia 11 de agosto. É uma ordem direta do comandante do I Exército ao diretor do HCE, para que os agentes adentrassem na instituição para fazer o interrogatório.”

“Além disso, no dia 12, o general Ruben tentou mostrar à dona Mariana que ele não tinha nada a ver com aquilo”, acrescenta Zelic. “Que ele recebeu ordens superiores.”

FOTO DESCOBERTA PELO GLOBO EM 2012 É A MESMA DA FARSA PUBLICADA EM 1971

Outra revelação do Relatório Raul Amaro.  Ironicamente, a foto “descoberta” no Arquivo Nacional pelo Globo, em 2012, é a mesma publicada em 28 de agosto de 1971. Naquela data, o próprio Globo publicou, com a foto recebida dos órgãos de segurança da ditadura, a matéria EXPLICAÇÃO  DA MORTE DO ENGENHEIRO. Reproduzia como  se  fosse verdadeira,  a versão oficial dos órgãos da repressão,  com explicações muito próximas àquelas contidas na Informação nº 2298/71-S/103.2, do Centro de Informações do Exército (CIE).

Na ocasião, o Jornal do Brasil se negou a publicar  a versão oficial, como observa em letra de próprio punho, na lateral, dona Mariana, mãe de Raul Amaro.

Como a cópia do recorte da matéria de 1971 dificulta a leitura, transcrevemos abaixo a notícia do Globo:

Vítima de edema pulmonar, após oito dias de hospitalização, faleceu em 12 de agosto de 1971 o subversivo RAUL AMARO NIN  FERREIRA,  codinome “EULÁLIO”, que  fôra  preso a 1 de  agosto, quando conduzia no  interior de  seu  automóvel, documentos terroristas originários do MR-8.

Com sua prisão foi possível chegar ao “aparelho” dessa organização terrorista situado à Rua Santa Cristina, 46 apto. C-01, Santa Teresa – GB, tido aparentemente como residência de RAUL AMARO, mas que atuava como célula do “Setor de Agitação e Propaganda” do MR-8.

Segundo seu  próprio depoimento, o citado “aparelho” fora  organizado por  ele  sob  a orientação do terrorista foragido EDUARDO LESSA  PEIXOTO DE AZEVEDO, o “CAIO”.

Recolhido,  finalmente,  à  prisão, não conseguiu alimentar-se, passando a apresentar, após dois dias, sintomas de fraqueza e convergência de pressão arterial, fato que ocasionou a sua hospitalização.

RAUL AMARO NIN FERREIRA (“EULÁLIO”) era brasileiro, nascido na  Guanabara a  2  de  Junho de  1944,  filho  de  Joaquim  R. Ferreira e Mariana L. Ferreira. Trabalhava como engenheiro contratado do Ministério da Indústria e Comércio, no Conselho de Desenvolvimento Industrial.

Nas  inquirições declarou-se “aliado  do MR-8”, cumprindo  para essa   organização algumas tarefas que lhe eram transmitidas pelo terrorista EDUARDO LESSA  (“CAIO”).

Para  o exercício dessa atividade, o “aparelho” possuia  mimeógrafo,  máquinas  de   escrever  e duas estações de rádio, ambas com  receptor e transmissor de  alta   potência, para os  contatos da organização com  os seus  militantes em outros Estados.

Encontram-se entre eles,  um  documento sobre reconhecimento de casas de generais e almirantes.

Todo o material apreendido no  “aparelho”, inclusive vasta literatura subversiva e documentos de instrução terrorista está  sendo examinado.

Ainda entre aqueles documentos, dois  são  da autoria de RAUL AMARO, intitulados “Contribuição à  tribuna de  debates” e  “A  Vanguarda Armada está   isolada”,   guardados  ainda  no   “stencil”,  e  que  apresentam referências e dados de acentuado valor, inclusive alguns restritos às  esferas governamentais, além de realçar em estilo fluente e técnico aspectos econômicos.

RAUL AMARO era também encarregado de redigir e difundir cartas às autoridades educacionais e aos  universitários, concitando-os à  revolta contra o  Governo, tendo como fundamento a “pena de morte”.

Colaborava Raul  com  o “CAIO” e outros elementos do  MR-8, ainda não  identificados, na transmissão de mensagens através das   estações  de  rádio  e  no  preparo  de  croquis para o levantamento de áreas previstas para a ação  dessa organização. No  ato da  prisão foram apreendidos croquis de áreas das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo

RAUL  AMARO NIN  FERREIRA  militava no MR-8, apesar da sua vida  legal.  Era considerado e gozava de bom conceito no círculo de suas amizades, que desconheciam suas atividades clandestinas e contra a Segurança Nacional.

“O Globo foi  tão   enfático na  sua adesão à versão dos   militares, que chegou a inventar  o  codinome  “Eulálio” para Raul Amaro”, ironiza Zelic. “ A  foto que o jornal  localizou no  Fundo  do SNI, no  Arquivo Nacional, não teria sido achada nos seus próprios arquivos?”

SOLICITAÇÕES À COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE E AO MINISTÉRIO PÚBLICO

Diante dessas descobertas e do que falta esclarecer, o Relatório Raul Amaro faz várias reivindicações à Comissão Nacional da Verdade e ao Ministério Público Federal, entre as quais estas:

1. Convoquem os agentes do Estado envolvidos, ainda vivos, para prestar depoimentos e dar mais detalhes sobre os fatos aqui tratados.

2. Identifiquem os três nomes desconhecidos apontados na lista de agentes envolvidos na tortura e assassinato de Raul Amaro. Uma forma de levantar tal informação é exigir a apresentação da lista das transferências ocorridas do I Exército para outras unidades da instituição, nos meses de agosto, setembro e outubro, e para onde foram.

3. Convoquem o Sr. Saididin Denne e a Sra. Yone da Silva Denne para prestar depoimento e ajudar a esclarecer as circunstâncias ligadas ao momento da prisão de Raul Amaro.

4. Identifiquem o local clandestino para onde Raul Amaro foi levado sob “responsabilidade do Exército brasileiro”, conforme dito por Mário Borges, entre o momento em que foi levado de sua casa até dar entrada no DOPS-GB, no dia 1º de agosto de 1971.

5. Exijam das instituições, públicas e privadas, que ainda possuam documentos relativos à memória de Raul Amaro, e de outras pessoas que tenham sido vítimas da repressão, que os tornem públicos o mais rápido possível. Um bom exemplo é a Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio de Janeiro.

“Além disso, como reparação da verdade, é necessário que o Globo se retrate publicamente com relação à matéria publicada em 28 de agosto de 1971″, afirma Zelic.

“As informações ali divulgadas foram consideradas comprovadamente falsas, seja pelo que consta da sentença da ação declaratória nº 241.0087/99 da 9ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro, seja pelo que trazemos mais detalhadamente no relatório”, conclui.

Confira a reportagem no site:

http://www.viomundo.com.br/denuncias/relatorio-raul-amaro.html

A íntegra dos documentos utilizados na pesquisa está disponível no site do Armazém Memória.
http://www.armazemmemoria.com.br/