As defensoras e defensores de direitos humanos cumprem um papel essencial para o fortalecimento da democracia e no enfrentamento às graves violações que assolam o Brasil. Incomodam e desafiam os poderes políticos e econômicos responsáveis por violações de direitos humanos, ficando eles próprios sujeitos a ameaças, desqualificação, perseguição, criminalização e até à morte. Avançar na proteção e promoção dessas lutas tem sido uma das missões mais importantes da Justiça Global.
Historicamente no Brasil costumava-se associar os direitos humanos à luta pela anistia no final da década de 1970, momento da chamada abertura democrática do país. Na ocasião, se vivia a afirmação e a conquista dos direitos civis e políticos, cassados pela ditadura civil-militar.
Notadamente importantes na época da ditadura no Brasil (1964-1985), os direitos humanos e suas defensoras e defensores não estão restritos ao campo de atuação dos direitos civis e políticos. A partir da década de 1980, outros processos de lutas por conquistas, reconhecimento e efetivação de garantias jurídicas tornaram o espectro conceitual de direitos humanos mais complexo e amplo: direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais passaram também a ser identificados sob sua égide. Assim, a organização e a luta de diversos setores pela garantia e efetivação do direito à educação, saúde, moradia, água, terra e território, por exemplo, se inseriram no que se denomina hoje de luta pelos direitos humanos.
As plurais articulações que defensoras e defensores estabelecem entre si dão novos contornos à esfera de direitos humanos. Assim sendo, a definição de quem são é eminentemente política e tem caráter provisório na busca constante de maior precisão conceitual. Dessa forma, o conceito de defensoras e defensores de direitos humanos acompanha essa dinâmica social com suas lutas e tensões constituintes.
No conceito atual da Justiça Global, são considerados defensoras e defensores de direitos humanos todos os indivíduos, grupos, organizações, povos e movimentos sociais, que atuam na luta pela eliminação de todas as violações de direitos e liberdades fundamentais dos povos e indivíduos. Incluindo os que buscam a conquista de novos direitos individuais e coletivos, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais que ainda não assumiram forma jurídica ou definição conceitual específica. São contemplados ainda aquelas e aqueles que resistem politicamente aos modelos de organização do capital, às estratégias de deslegitimação e criminalização do Estado, e à ausência de reconhecimento social de suas demandas. São formas de resistência que não estão restritas às vias jurídicas e institucionais vigentes, podendo também remeter-se ao reconhecimento e legitimação nas demais esferas social, cultural, econômica e política existentes.
Principais temas
Política de Proteção: O Programa de Proteção aos Defensores (as) de Direitos Humanos (PPDDH), iniciado em 2004, surge a partir dos debates da sociedade civil e o poder público pela urgência da proteção de lideranças e movimentos sociais ameaçados no Brasil. A Justiça Global colaborou para a criação do PPDDH e é uma das organizações da sociedade civil que integra a sua Coordenação Nacional, com a missão de monitorar suas ações e contribuir com seu aperfeiçoamento.
Formação em auto proteção: A Justiça Global foi capacitada – pelas organizações Frontline Defenders e Proteção Internacional, especializadas na temática de defensores de direitos humanos – para ser multiplicadora de metodologia que desenvolve estratégias e planos efetivos de proteção para defensores de direitos humanos a partir da análise de situações de risco e ameaças. Para tanto trabalhamos com a aplicação do “Manual de Proteção para Defensores de Direitos Humanos”, publicado por Front Line. A experiência da Justiça Global com a temática demonstra que quando aplicados procedimentos de autoproteção, a vulnerabilidade do defensor é minimizada significativamente. Em um cenário de conflito, poucos defensores param para pensar em sua segurança e em estratégias que fortaleçam suas lutas. Nas oficinas, contribuímos para que se construam estratégias de segurança.
Enfrentando a criminalização: Ao longo de seus 16 anos a Justiça Global tem se deparado com a grave situação em que os/as defensores/as se encontram para o desenvolvimento do seu trabalho de militância. Muitas vezes, os defensores estão isolados e sem recursos mínimos ou qualquer proteção oferecida pelo poder público, nos três níveis de governo (municipal, estadual e federal). Essa situação intensifica as ameaças permanentes à continuidade das lutas emancipatórias nas quais estão envolvidos.
Nesse cenário adverso a criminalização apresenta-se como uma estratégica específica, em meio a um universo mais amplo de coerções, que incidem na atuação dos defensores/as e no seu papel na luta pelos direitos humanos no Brasil. Assim, a Justiça Global entende a criminalização como uma das vias para se verificar o dispositivo de deslegitimação. Pois, se é verdade que todo processo de criminalização é uma estratégia de deslegitimação, nem todo individuo ou coletividade que sofre um processo de deslegitimação é necessariamente criminalizado. Também sabemos que a criminalização não é a única e exclusiva interdição que incide no contexto de atuação dos defensores/as de direitos humanos e movimentos sociais.
A adoção de novas estratégias de criminalização dos protestos sociais passou a apresentar desafios ainda mais concretos para os movimentos populares e os/as defensores/as de direitos humanos, como é o caso do projeto de lei antiterror que tramita no Congresso Nacional.
Valorização das Defensoras de Direitos Humanos: Em seus 16 anos de atuação no campo dos direitos humanos, a Justiça Global tem identificado o número expressivo de defensoras de direitos humanos em situação de vulnerabilidade. Algumas delas lamentavelmente foram assassinadas, como Doroty Stang em Anapu e Maria do Espírito Santo da Silva em Nova Ipixuna, ambas no Pará. Outras, como Indianara Siqueira, no Rio de Janeiro, e Andreza Beluchi, na Bahia, são constantemente alvos de agressões físicas e psicológicas. Também identificamos que as ameaças que atingem as mulheres têm componentes específicos, muito deles relacionados a ataque moral, violência sexual, a uma deslegitimação de seu papel político, a uma inferiorização e desigualdade em relação ao gênero masculino e ao não reconhecimento de direitos, como os relacionados aos direitos sexuais e reprodutivos, identidade de gênero e orientação sexual. Nesse sentido, é importante fazer um recorte de gênero, que fortaleça a luta e o protagonismo de nossas defensoras, bem como a adoção de medidas protetivas que incorporem essa perspectiva.
As homenageadas são defensoras de direitos humanos que atuam na luta pela terra, território e meio ambiente, contra a violência institucional, a tortura, o racismo, o machismo, a homofobia, a lesbofobia e a transfobia, na defesa de crianças e adolescentes e em muitas outras frentes. São mulheres que estão na Linha de Frente, são baluartes da proteção dos direitos humanos.