Atuação

A atuação da Área de DHESCA da Justiça Global está focada nos seguintes objetivos:

a) Trabalhar de forma articulada com organizações e movimentos sociais para denunciar violações de direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais em instâncias nacionais e internacionais e exigir dos governos a efetivação de políticas públicas;
b) Exigir a garantia do direito à terra e ao território como direito coletivo relacionado ao acesso a bens culturais, a recursos naturais e ao respeito ao modo de vida específico das comunidades;
c) construir estratégias de responsabilização de Estados e de empresas transnacionais por violações de direitos humanos.

Principais Temas:

Violações de Direitos Humanos e Impactos provocados por empreendimentos

O status do Brasil como “global player” resulta de políticas de desenvolvimento econômico que apostam no fortalecimento de grandes corporações nacionais e poderosos consórcios privados, principalmente no que diz respeito a indústrias mineradoras e metalúrgicas, construção civil, agronegócio e petroquímicas. O Brasil adotou um modelo de desenvolvimento que reforça seu papel como exportador de commodities, necessitando, portanto, do uso em larga escala de recursos naturais como água, terra e energia. A opção governamental por não adotar mecanismos eficazes e apropriados de controle e fiscalização, ao flexibilizar a legislação ambiental, especialmente no que diz respeito ao licenciamento, tem contribuído para a produção de graves violações de direitos humanos e impactos ambientais. Isso também tem ocorrido fora do Brasil, onde a marca das empresas brasileiras continua a crescer, particularmente no que tange as indústrias extrativas e de construção civil, em países da América Latina, África e Ásia.

A disputa por territórios e recursos naturais aumenta a violência e a concentração de terras e tem como resultado deslocamentos violentos, graves problemas de saúde, abusos aos direitos humanos e devastações ambientais. Além de desrespeito ao devido processo legal e flexibilização das legislações. Defensores e defensoras de direitos humanos (comunidades locais, ativistas, militantes e grupos) que denunciam essas violações, são ameaçados, espionados, monitorados, criminalizados, arbitrariamente detidos, discriminados, perseguidos e, em muitos casos, mortos.

O rápido e agressivo processo de transnacionalização de corporações brasileiras trouxe a tona uma série de novos desafios e demandas à Justiça Global. Cada vez mais, temos nos articulado a outras ONGs, movimentos sociais, sindicatos, ambientalistas e comunidades afetadas na América Latina e África para documentar e denunciar violações de direitos humanos causadas por corporações brasileiras com atuação nesses países. A Justiça Global está se desafiando a expandir sua incidência global e regional com o objetivo de responsabilizar Estados, Empresas e Instituições Financeiras pelas violações de direitos humanos decorrentes de sua atuação.

Terra e Território

O processo de concentração fundiária está diretamente relacionado à disputa por território e recursos naturais e pode ser identificado em todas as regiões do país. Não bastasse isso, o que tem ocorrido nos últimos anos é um acentuado declínio no número de desapropriações de terras para fins de reforma agrária.

Nas cidades se intensificam a disputa pelo espaço urbano, em alguns casos, impulsionado também pelos megaeventos esportivos. As cidades foram transformadas em negócio para atração de capitais estrangeiros, que levou a remoção de milhares de pessoas por todo país.
No Rio de Janeiro foi uma articulação entre as forças políticas, projeto de militarização de áreas pobres e as grandes empreiteiras para operar uma política de remoção e reassentamento acompanhada na maioria das vezes de ações violentas e ilegais, conforme aponta o Dossiê do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro – Megaeventos e violações dos Direitos Humanos – junho de 2014. Até junho de 2014, foram 4.772 famílias removidas, totalizando cerca de 16.700 pessoas de 29 comunidades mapeadas.

No que se refere ao recrudescimento da violência no campo, também expressamente reconhecida pelo Estado, importa correlacioná-la com a insuficiência de políticas públicas de combate a essas violações, em geral cometidas por grupos de fazendeiros, organizados através de milícias rurais (muitas vezes composta por policiais) e por empresas transnacionais do “agronegócio”. Se as iniciativas do Governo Federal visam ocupar o vazio histórico de políticas de Estado voltadas para o enfrentamento dos conflitos no campo e violações dos direitos econômicos e sociais dentro do processo de luta pela terra, suas ações até o momento são insuficientes, uma vez que não tiveram impacto real nos diversos conflitos agrários que ocorrem no Brasil. A continuidade das violações de direitos humanos no campo demonstra que o Estado brasileiro não conseguiu efetivar tais políticas.

No que se refere ao direito das comunidades quilombolas às suas terras, consagrado na Constituição Federal de 1988, conforme dados da Comissão Pró-Índio de São Paulo, verifica-se que entre 2010 e 2014, somente 29 Comunidades Quilombolas foram tituladas, sendo 11 no Estado do Maranhão, 06 no Estado do Pará, 03 em Sergipe, 02 no Mato Grosso do Sul, 01 em Rondônia, 01 no Rio Grande do Norte, 01 em Pernambuco, 01 em São Paulo, 01 em Rio de Janeiro, 01 no Rio Grande do Sul, 01 em Santa Catarina. Dessa forma, é possível constatar baixa efetividade das políticas públicas em relação à efetivação desse direito.

No que se refere ao direito dos povos indígenas ao seu território, de acordo com dados da FUNAI, existem hoje 544 terras indígenas tradicionalmente ocupadas. Destas, 426 estariam regularizadas, restando 118 terras ainda em alguma fase anterior à regularização. Contudo, vale mencionar que existem adicionais 129 outras terras que estariam em fase de estudo (sem superfície específica ainda) e que não entraram na conta das 544 TIs. A maior concentração destas terras 54% está na região Norte, seguidas por 19% na região Centro-oeste e 11% na região Nordeste. A título de exemplo, no estado do Pará, as terras indígenas que sofrem com os impactos da construção de Belo Monte ainda não foram regularizadas segundo dados da FUNAI, o que indica um conflito e uma disputa pelo território e a primazia do interesse estatal no uso deste território. Esse quadro se agrava ainda com a aprovação por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, em Outubro de 2015, do Projeto de Emenda Constitucional (PEC 215) que tira do Executivo e passa para o Congresso a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas, a titulação de territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação ambiental. O texto ainda proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas e prevê indenização aos proprietários. A aprovação da PEC 215, caso ocorra, representará um grande retrocesso e coloca em risco ainda maior os povos indígenas e quilombolas do Brasil.