Mineradora Belo Sun tenta criminalizar defensores de direitos humanos na Volta Grande do Xingu

Organizações de direitos humanos denunciam mineradora canadense Belo Sun, que quer instalar a maior mina de ouro ao ar livre do Brasil, em Volta Grande do Xingu, no Pará, por tentar criminalizar agricultores, lideranças, movimentos sociais e pesquisadores.

Nesta terça-feira (15), 26 movimentos e organizações sociais lançaram uma carta de repúdio contra a mineradora canadense Belo Sun pela tentativa de criminalizar, via queixa-crime, mais de 30 agricultores, lideranças e movimentos sociais, entidades e até pesquisadores que têm atuado em defesa da Volta Grande do Xingu, no Pará, onde o empreendimento quer instalar a maior mina de ouro ao ar livre do Brasil.

No apagar das luzes do ano de 2021, o Incra do então governo de Jair Bolsonaro cedeu, por meio de um acordo, uma grande parcela de terras públicas à mineradora Belo Sun na Volta Grande do Xingu. Parte desta área é composta por 21 lotes do assentamento PA Ressaca que, segundo o órgão, estavam “desocupados”. O que o Incra não considerou é que estes mesmos lotes haviam sido “comprados” de forma ilegal (áreas de assentamentos da reforma agrária não podem ser comercializadas) pela mineradora – e assim «desocupados» pelos assentados originais -, fato inclusive denunciado e judicializado pela Defensoria Pública do Estado (DPE).

Em protesto contra este acordo, que também foi judicializado por ser considerado pela DPE e pela DPU (Defensoria Pública da União) como inconstitucional e lesivo ao interesse público, um grupo de trabalhadores rurais sem terra ocupou uma pequena parcela destas terras como forma de protesto e luta pela reforma agrária em meados do ano de 2022.

Imediatamente, a mineradora entrou na Justiça com um pedido de reintegração de posse, que segue em tramitação nas instâncias legais. Mas de acordo com a própria Polícia Federal, que averiguou a situação, “observa-se que há um cunho de protesto em tal invasão, que contesta o fato o Incra ter realizado contrato de concessão de uso de área inserida em Projeto de Assentamento Ressaca em favor da empresa privada Belo Sun Mineração Ltda; bem como, destaca-se a informação de que o referido contrato está sendo questionado judicialmente. Por tais motivos, deixo de realizar indiciamento”

Em setembro deste ano, então, a mineradora Belo Sun fez uma nova ofensiva judicial por meio de uma queixa-crime na qual pede, entre outros: a quebra do sigilo bancário das ONG’s e movimentos sociais e de seus representantes; a intervenção policial, para eventual condução policial, prisão em flagrante, busca e apreensão de bens “utilizados para a prática criminosa, armas, e bloqueio das contas dos querelados”; e “apuração da participação e identificação de outras ONG’s e movimentos sociais e seus representantes que prestam auxílio ao crime permanente em curso”.

Mineradora Belo Sun assedia juridicamente líderes comunitários da Volta Grande do Xingu, defensores de direitos humanos e ambientalistas

Em meados de outubro deste ano, a mineradora Belo Sun Ltda., que quer instalar a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil a poucos quilômetros da hidrelétrica de Belo Monte, na Volta Grande do Xingu, Pará, entrou com uma ação penal contra mais de 30 pessoas que questionam o projeto. A maioria dos acusados são agricultores e agricultoras acampadas em uma parte do Projeto de Assentamento (PA) Ressaca, do qual 21 lotes foram negociados de forma irregular em 2021 pelo Incra à mineradora. Desde então, os agricultores reivindicam a área para o fim de destinação original, ou seja, reforma agrária e cultivo de alimentos.

Esta negociação de terras por parte do Incra é objeto de uma Ação Civil Pública (ACP n. 1001161-22.2022.4.01.3903), interposta em 2022 pelas Defensorias Públicas da União (DPU) e do Estado do Pará (DPE-PA), que demonstra a ilegalidade da Belo Sun na aquisição de terras e pede a anulação desse contrato. Quase dois anos depois de protocolada, essa ação ainda não teve sentença.

Em uma clara forma de intimidação, a nova ação penal protocolada em outubro pela Belo Sun inclui estes agricultores e agricultoras na queixa-crime. Além de representantes de organizações da sociedade civil do Brasil e internacional, e até pesquisadores que estão atuando em defesa das comunidades ameaçadas pelo empreendimento. Várias dessas pessoas sequer residem no país.

Na ação penal, a Belo Sun ainda faz uma série de outros pedidos que atentam contra os direitos políticos e civis dos ativistas, defensores de direitos humanos e pesquisadores, como a quebra do sigilo bancário e bloqueio de contas de ONG’s e movimentos sociais e de seus representantes, intervenção policial e prisão dos agricultores.

«Belo Sun nos expulsa do nosso território milenar. Nos rouba a alma ao nos afastar das nossas práticas tradicionais e cultura. E agora tenta nos criminalizar como invasoras da nossa própria terra. Somos filhas deste lugar. Esta terra é a nossa mãe», afirma Ana Laide Barbosa, educadora social do Movimento Xingu Vivo Para Sempre.

A fim de denunciar o assédio jurídico da Belo Sun, os acusados pela mineradora convocaram uma coletiva de imprensa na última quarta-feira, dia 15, em Altamira (PA). Estiveram nesta coletiva representantes da Defensoria Pública da União, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA e da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, além dos advogados dos trabalhadores rurais criminalizados e de lideranças comunitárias. Durante o evento, uma carta de repúdio foi lançada e assinada por 26 movimentos e organizações sociais da região contra a tentativa de criminalização da mineradora Belo Sun.

Esse tipo de prática contra  defensores de direitos humanos em assuntos ambientais e ativistas é um padrão recorrente identificado em pelo menos 21,62% dos 37 projetos canadenses presentes em nove países da América Latina. Esse modus operandi foi denunciado por uma coalizão internacional formada por mais de 50 organizações do Caribe e América Latina durante a Revisão Periódica Universal do Canadá na ONU deste ano.

Projeto Volta Grande

A Belo Sun quer instalar um mega empreendimento de mineração de ouro sobreposto à região do PA Ressaca, nas margens do Rio Xingu, com o objetivo de operar a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil. O chamado Projeto Volta Grande (PVG), caso aprovado, afetaria de forma substancial e potencialmente irreversível um território já gravemente impactado  pela mega-hidrelétrica de Belo Monte, além de impactar as terras e modos de vida tradicionais de diversos povos indígenas, assentamentos rurais e comunidades ribeirinhas que vivem na região da Volta Grande do Xingu.

Diversas ações judiciais foram protocoladas registrando as irregularidades cometidas pela Belo Sun, incluindo a ausência de consulta e consentimento livre, prévio e informado das comunidades indígenas e tradicionais afetadas; a aquisição ilegal de lotes dento do PA Ressaca; o constrangimento e violação do direito à livre circulação e acesso ao território das comunidades locais; e a falta de competência do Estado do Pará para emitir a licença ambiental do PVG. O seu licenciamento está suspenso desde 2017 por decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e no dia 11 de setembro de 2023 passou para a competência do Ibama, órgão federal.

 

Leia abaixo a íntegra do documento:

Carta aberta de repúdio à criminalização de agricultores, agricultoras, movimentos sociais e organizações da sociedade civil, promovida pela mineradora canadense Belo Sun

Altamira, Amazônia, Brasil, 15 de novembro de 2023

No dia 17 de outubro de 2023, a mineradora Belo Sun Ltda., subsidiária brasileira da empresa canadense Belo Sun Mining Corp., entrou com uma ação penal contra mais de 30 pessoas, a maioria agricultores e agricultoras, que estão questionando a aquisição de terras pela mineradora dentro do Projeto de Assentamento (PA) Ressaca, no município de Senador José Porfírio- Pará, e exigindo que essas terras cumpram sua função agrária e social, fato que inclusive é objeto de ação na justiça federal por parte da defensoria pública.

Além dos agricultores e agricultoras, também foram incluídos como acusados na queixa-crime da Belo Sun representantes de organizações da sociedade civil e até pesquisadores que estão atuando em defesa das comunidades ameaçadas pelo empreendimento. Muitas destas pessoas, acusadas de “esbulho possessório” pela mineradora, sequer residem no país.

Antes de entrar com a queixa-crime, a Belo Sun havia enviado uma notificação extrajudicial à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), numa tentativa de calar as denúncias feitas pela organização indígena acerca dos riscos que seu projeto de mineração na Volta Grande do Xingu representa.

Trata-se de uma tentativa de silenciamento de famílias e lideranças que estão na linha de frente da luta pela reforma agrária, e de intimidação das redes nacionais e internacionais que monitoram e denunciam a destruição provocada por grandes empreendimentos e empresas na Volta Grande do Xingu. O efeito de amedrontamento nos agricultores e agricultoras se intensificou com a presença da segurança armada da empresa, fato que também será objeto de denúncia junto às instâncias devidas.

A Belo Sun quer instalar um mega empreendimento de mineração de ouro sobreposto à região do PA Ressaca, nas margens do Rio Xingu, com o objetivo de operar a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil . O chamado Projeto Volta Grande (PVG), caso aprovado, afetaria de forma substancial e potencialmente irreversível um território já gravemente impactado  pela mega-hidrelétrica de Belo Monte, além de impactar as terras e modos de vida tradicionais de diversos povos indígenas, assentamentos rurais e comunidades ribeirinhas que vivem na região da Volta Grande do Xingu.

Em 2021, a Belo Sun firmou com o Incra um acordo por meio do qual este último cedeu à mineradora 2.428 hectares de terras públicas – entre elas, 21 lotes do Projeto de Assentamento (PA) Ressaca. A cessão de terras é objeto de uma Ação Civil Pública (ACP n. 1001161-22.2022.4.01.3903) interposta em 2022 pelas Defensorias Públicas da União (DPU) e do Estado do Pará (DPE-PA), que demonstra a ilegalidade da aquisição de terras e pede a anulação do contrato. Quase dois anos depois de protocolada, essa ação ainda não teve decisão de mérito.

Destacamos, que essa queixa-crime foi feita por Belo Sun,  mesmo após a própria polícia federal firmar o entendimento de que as ações dos agriculdores/as não tratam-se crimes e sim do direito à livre manifestação, organização e protesto, tanto é assim que nem o MPF e nem o MPE apresentaram nenhum tipo de denúncia contra os mesmos.

Diversas ações judiciais foram protocoladas registrando as irregularidades cometidas pela Belo Sun, incluindo a ausência de consulta e consentimento livre, prévio e informado das comunidades indígenas e tradicionais afetadas; a aquisição ilegal de lotes dento do PA Ressaca; o constrangimento e violação do direito à livre circulação e acesso ao território das comunidades locais; e a falta de competência do Estado do Pará para emitir a licença ambiental do PVG. O seu licenciamento está suspenso desde 2017 por decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e no dia 11 de setembro de 2023 passou para a competência do Ibama, órgão federal.

Os/as advogados/as dos camponeses, lideranças, defensoras e defensores de direitos humano e organizações acusadas por Belo Sun, já estão providenciando a defesa junto ao judiciário em face dessa criminalização indevida, bem como vão apresentar denúncia contra a mineradora canadense ao Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e ONU.

Nós, cidadãos, cidadãs, e organizações que subscrevemos esta carta, repudiamos a criminalização promovida por Belo Sun Mineração Ltda, e manifestamos nossa solidariedade com as vítimas desse processo.

Cidadãos, Cidadãs, Defensores e defensoras de direitos humanos, organizações, entidades e movimentos sociais que subscrevem:

Movimento Xingu Vivo Para Sempre
Mutirão pela Cidadania
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
Fundação Viver e Produzir – FVPP
Movimento de Mulheres do Campo e Cidade
Aliança da Volta Grande do Xingu
Coletivo de Mulheres do Xingu
Associação de Mulheres de Altamira e Região – AMAR
Coletivo de Mulheres Negras Maria Maria – COMUNEMA
Irmãs Franciscanas da Penitência Caridade Cristã – IFPCC
Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira do Campo e Cidade – MMTACC
Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Altamira- STTR
Sindicato de Trabalhadores Educação Subsede Altamira
Projeto Aldeias/Instituto Lilar
SINTEPP Altamira (Sindicato dos Trabalhadores da Educação)
CEDENPA
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Associação de Mulheres Munduruku- Wakoborun
Núcleos guardiões da Volta Grande do Xingu
Núcleo guardiões do Tauá – Santo António do Tauá
Núcleo Quilombola – Vila União Salvaterra- Marajó
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD
Comissão Direitos Humanos da OAB Pará
Adulfpa
FAOR – Fórum da Amazônia Oriental
Congregação das Irmãs Franciscana de Ingolstart – região brasileira Santa Elisabeth
Pastoral da Criança – Altamira  

Foto da capa: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real

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