Chacinas: Uma herança que precisa ser abolida

Por Gizele Martins

Em apenas um ano de gestão, o atual governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, já é responsável por mais de 40 chacinas ocorridas dentro das favelas e periferias do estado. Os dados fazem parte de um levantamento feito pelo Instituto Fogo Cruzado e o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF).

O último massacre, que ganhou grande repercussão, ocorreu ontem, dia 21 de julho, no Complexo da Penha, Zona Norte do Rio, e vitimou mais de 20 pessoas. A operação comandada pela Polícia Militar e a Polícia Civil contou com a participação da Polícia Rodoviária Federal, sob a justificativa – injustificável – do cumprimento de mandado de prisão e, mais tarde, após as mortes, a PRF passou a alegar que a atuação do grupo também foi motivada para coibir crimes que haviam acontecidos em rodovias.

Outro estudo do Instituto Fogo Cruzado em parceria com o GENI revela ainda que em um período de 14 anos, entre 2007 a 2021, foram realizadas 593 chacinas policiais. Entre elas a Chacina da Maré, que ocorreu em 24 junho de 2013, e, hoje, completa 9 anos, quando a favela foi ocupada por diferentes unidades da Polícia Militar do Estado do Rio (PMERJ), incluindo o Batalhão de Operações Especiais (Bope). Ao todo 13 pessoas foram assassinadas a facadas e tiros. Na ocasião, os moradores locais ocuparam as ruas da favela e expulsaram o caveirão que circulava pelas ruas de toda a favela da Maré.

Em entrevista, Patricia Oliveria, integrante da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, afirmou que as operações policiais, assim como as chacinas, são heranças da ditadura militar e tem como principal alvo os corpos negros, pobres e favelados. Patrícia começou a atuar contra a violência policial em 1993, a partir de uma triste casualidade. “O meu  irmão sobreviveu à Chacina da Candelária. Eu o acompanhava, mas não sabia que ele era meu irmão. Quando ele fez uma entrevista para o Fantástico contando a sua história de vida, descobri que ele era meu irmão. Nos reencontramos e começamos a falar pelo telefone durante um ano até ele voltar para nos falar pessoalmente. Esta chacina transformou a minha vida em muita luta em busca por direitos”, lembra.

De acordo com Patricia, há uma grande naturalização sobre as chacinas, seja nos telejornais, no cotidiano ou até mesmo dentro da institucionalidade pública que, na verdade, tem como política a militarização e o controle dos territórios de faavelas como parte elementar do genocídio negro: “Estamos vivendo um momento de volta das chacina no estado do Rio de Janeiro. A falta de controle do Ministério Público da atividade policial contribui muito para isso. E mais, com a chegada do período eleitoral isto pode piorar, pois vivemos um momento de país em que temos um presidente que defende o armamento e, cada vez, mais a matança de pobres e negros”, concluiu Patrícia.

 

Patricia Oliveira comeõu a atuar contra a violência em 1993, quando descobriu ser imrã de um dos sobreviventes.
Patricia Oliveira começou a atuar contra a violência em 1993, quando descobriu ser imrã de um dos sobreviventes.

Sandra Carvalho, coordenadora geral da Justiça Global, acompanha casos de massacres bem antes da fundação da organização. Ela foi uma das primeiras representantes da sociedade civil a entrar no Carandiru após a chacina. Para ela: «A falta de responsabilização dos envolvidos e da cadeia de comando, a falta de celeridade nas investigações e, consequentemente, o recorrente arquivamento dos casos leva um cenário permanente de violações de direito e que aprofundam a violência racial, dado que a imensa maioria dos mortos em chacinas policiais são pessoas negras». O que Sandrinha, como é conhecida, disse sobre o Carandiru é possível verificar no Jacarezinho, a investigação dos assassinatos da chegou ao fim com 24 das 28 mortes arquivadas.

Candelária Nunca Mais! 

Quando se fala em chacinas, não tem como não mencionar a chacina da Candelária, ainda mais neste dia 22 de julho em que as ruas do Centro do Rio de Janeiro são tomadas por memórias e pedidos de justiça.

Na madrugada de 23 de julho de 1993, por volta de 1 da madrugada, oito meninos, entre 10 e 17 anos, que dormiam em frente à Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, foram assassinados por um grupo de policiais militares que estavam à paisana. Naquela madrugada, os policiais simularam levar comida para os 72 crianças, adolescentes e jovens em situação de rua que dormiam sob as marquises dos prédios da região.

A chacina da Candelária marcou a história do país e este é um dos casos que está em tramitação na Organização dos Estados Americanos (OEA), a organização internacional de direitos humanos, CEJIL, representa um dos sobreviventes e sua família nesse processo. Passados 29 anos, movimentos sociais e familiares se reúnem na Candelária em protesto para que o mundo jamais esqueça dessa chacina que marcou a história do país. Diante do aumento das chacinas nas favelas e periferias do Rio, precisamos sempre lutar para que o Estado se responsabilize por tamanha brutalidade e genocídio dentro dos territórios empobrecidos. Nossa luta é por memória, verdade, justiça e reparação!