Estado brasileiro deve ser responsabilizado por violações de direitos no Complexo do Curado

Corte Interamericana de Direitos Humanos
Corte Interamericana de Direitos Humanos

O Brasil deve ser alvo de novas resoluções que obrigam o Estado a garantir os direitos dos detentos do Complexo do Curado (antigo Aníbal Bruno), em Pernambuco. Em audiência realizada hoje na Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica, uma coalizão formada pela Pastoral Carcerária, o Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (Sempri), a Justiça Global e a Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard apresentou diversos dados que comprovam que a situação no complexo vem se agravando desde que a Corte determinou a imposição de medidas provisórias, em maio de 2014. Entre as novas medidas que foram recomendadas estão resoluções que pedem o fim da presença de armas dentro do presídio, assim como garantias de segurança para minorias, como as LGBTT. Agora, os juízes vão analisar os fatos apresentados para então determinar a sentença, o que deve ocorrer dentro de duas semanas.

Durante a audiência, as organizações de direitos humanos apresentaram uma lista de mais de 500 vítimas de dentro do presídio, assim como um vídeo que mostra relatos dos presos sobre as violências que sofrem. A advogada da Justiça Global Natália Damazio falou de casos como o da transsexual Brida, que por supostamente dever R$ 15 para um dos chaveiros – presidiários que controlam as carceragens, mantendo inclusive as chaves das celas e definindo a distribuição dos detentos – foi transferida de sua cela para uma outra, onde foi abusada por mais de 30 homens. «Mesmo após ela denunciar o que aconteceu, não recebeu nenhum tipo de tratamento médico. Quando conseguiu fazer o teste do HIV, o resultado foi positivo, sendo que poucos meses antes ela tinha passado pelo mesmo exame, que havia dado negativo», disse Natália.

O advogado Fernando Delgado, de Harvard, também denunciou as ações do Estado para impedir que as violações de direitos sejam documentadas e divulgadas. «Ao receber fotos de pessoas em situações absurdas, o Estado apresentou como solução impedir a entrada de maquinas fotográficas no complexo», afirmou Delgado, explicando que o governo usou como justificativa para impedir a entrada de máquinas a declaração de um «estado de emergência» no Curado. Nas imagens mostradas durante a audiência era possível ver diversos casos de torturas realizadas por agentes do Estado e também por outros detentos. As organizações também lembraram que, apenas em 2015, foram apreendidas mais de mil armas dentro do complexo, como facas, punhais e até armas de fogo.

Com a divulgação dos relatos e dos documentos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recomendou aos juízes da Corte a garantia de que seja possível entrar com câmeras no complexo; de que é necessário novas resoluções para impedir a entrada de tantas armas; de que são necessárias proteções específicas para grupos vulneráveis, especialmente os LGBTT e aqueles que possuem necessidades especiais por incapacidade física ou doença. Outro ponto destacado pela comissão é a necessidade de combater o superencarceramento não apenas com a construção de novas vagas, mas também desafogando o sistema com ferramentas como a audiência de custódia, que determina que o preso deve ser apresentado ao juiz em até 24 horas, impedindo que detidos fiquem sob custódia do Estado sem necessidade, assim como também de que sofram agressões e torturas ao serem presos.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos começou a monitorar o Complexo Aníbal Bruno em 2011. Durante quatro anos, a coalizão catalogou violações à dignidade humana dos presos, funcionários e visitantes do Complexo. Um preso, por exemplo, relatou em fevereiro de 2015 que, em função da superlotação, dormia amarrado às barras que revestem a cela, por meio de uma rede improvisada. O encarceramento de mais de 7 mil indivíduos em um espaço com capacidade para menos de 1,9 mil pessoas é reflexo não somente da situação calamitosa do sistema prisional pernambucano, que possui uma das piores taxas de encarceramento no Brasil, mas também de uma realidade prisional nacional que historicamente encarcera violando direitos. O caso do complexo gerou também um grande aquivo com todo o material coletado pela coalização, que pode ser visto aqui: http://arquivoanibal.weebly.com/

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