O Estado brasileiro foi denunciado nesta semana à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por Artigo 19, Amazônia Real, Coalizão Negra por Direitos, Conectas Direitos Humanos, Justiça Global, Terra de Direitos e um conjunto amplo de organizações da sociedade civil e atores sociais que revelaram o cenário grave de violações ao direito à vida, saúde e integridade, diante do colapso no sistema de saúde no estado do Amazonas e a falta de oxigênio medicinal e insumos hospitalares em meio à pandemia. As informações foram recebidas com preocupação pelo presidente da Comissão e Relator para o Brasil, Chile e Honduras, Joel Hernández García, durante uma reunião de emergência na Sala de Coordenação e Resposta Oportuna e Integrada para Covid-19 (Sacroi) do órgão da OEA.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato tem como objetivo promover a observância e defesa dos direitos humanos na região.
Foi destacado à Comissão que as violações são ainda agravadas em relação aos direitos das populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas da Amazônia Legal, que de maneira acentuada foram atingidas pela Covid-19 devido ao não acesso a informações confiáveis sobre a doença e a medidas de proteção e isolamento que pudessem coibir o crescente número de contágios e mortes anunciadas nos territórios. As organizações destacaram ainda que o conjunto de violações se torna ainda mais alarmante no contexto da pandemia e da posição do Brasil como um dos países mais afetados no mundo todo, recordista de mortes em decorrência da pandemia – e que pior lidou com a crise.
Kátia Brasil, jornalista e fundadora da agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real, destacou que o colapso na saúde pública especialmente no Amazonas, é um caso histórico resultante de mais de 40 anos de negligência. À luz da pandemia, o cenário de calamidade é cada vez mais evidente. “O descaso com a saúde no Amazonas é tão estarrecedor que Manaus é a única cidade, entre os 62 municípios do Amazonas, que possui hospitais com Unidade de Terapia Intensiva – UTI. Por isso, muitas pessoas já morreram por falta de leitos na capital e no interior, antes da atual crise da pandemia do novo coronavírus”, ressaltou a jornalista, que também integra o Conselho da Artigo 19.
O epidemiologista da Fiocruz/Amazônia, Jesem Orellana, alertou ainda que o lockdown proposto pelo ex-prefeito de Manaus em setembro foi recebido com críticas pelo presidente Jair Bolsonaro, que há época classificou a proposição como “absurda”. Em seguida, Wilson Lima, governador do Amazonas, descartou o bloqueio e isolamento total, algo que poderia ter não apenas reduzido drasticamente a crescente taxa de contágio do novo coronavírus em Manaus, como também evitado o violento pico da segunda onda em janeiro de 2021 – que resultou na morte de dezenas de pessoas asfixiadas por falta de oxigênio nas unidades de atendimento e tratamento da Covid-19.
O cenário catastrófico que comprova os desrumos da pandemia em Manaus havia sido informado desde o mês de agosto, quando houve alertas sobre crescimento de casos e a falta de insumos e, em 04 de janeiro, ao ministério da saúde, comandado pelo general Eduardo Pazuello – o qual sabendo que o sistema de saúde poderia entrar em colapso, fez apenas recomendação de tratamento precoce com medicamentos cientificamente comprovados pelo risco de dano cardíaco e pela sua ineficácia contra o coronavírus.
Além da denúncia realizada na CIDH/OEA, em meio ao cenário de piora das crises sanitária, política e econômica, em que o Brasil tem descumprido de forma reiterada as recomendações da própria Comissão e de outros órgãos para o enfrentamento da pandemia, as organizações enviaram neste mês uma solicitação de medida cautelar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, requerendo que medidas urgentes sejam tomadas pelo Estado brasileiro para garantir o abastecimento de oxigênio, insumos hospitalares e condições dignas para a população do Amazonas usuária da rede pública de saúde. A medida cautelar é um instrumento de proteção do sistema internacional com o objetivo de que o Estado realize ações imediatas para garantir os direitos ameaçados e prevenir danos irreparáveis, como o risco à vida e à integridade física. Essa solicitação se soma às diversas denúncias nacionais e internacionais pelas omissões e ações direcionadas pela decisão política do governo brasileiro em não adotar medidas diante da pandemia da Covid-19, respaldada pelas ideias racistas e etnocidas de seus apoiadores, culminando na violação aos protocolos de cuidado e em ações que agravam a crise.
Além das organizações Artigo 19, Conectas Direitos Humanos, Justiça Global, Terra de Direitos e Coalizão Negra por Direitos, as evidências reunidas nas denúncias foram apresentadas por Kátia Brasil (jornalista e fundadora da agência de jornalismo Amazônia Real); Jesem Orellana (epidemiologista da Fiocruz); Mauricio Ruiz (médico geriatra da Fundação Dr. Thomas – Lar de Idosos público); Vanda Ortega (técnica de enfermagem e liderança indígena do Parque das Tribos); e Marinete Almeida Costa (liderança indígena do Povo Tukano).
Assinam e apoiam a medida cautelar: Artigo 19; Conectas Direitos Humanos; Justiça Global; Terra de Direitos; Coalizão Negra por Direitos; Agência de Jornalismo Amazônia Real; Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib); Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado do Amazonas (Assotram); Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea); Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); Movimento de Mulheres Negras da Floresta – Dandara; Observatório de Direitos Humanos, Crise e Covid-19; Transparência Brasil.
Foto: Enterros de indígenas mortos pela Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira no cemitério Parque da Saudade, familiares de Felisberto Cordeiro (Foto: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real/09/05/2020)