Nota em solidariedade às vítimas e contra a política letal e racista adotada no Rio de Janeiro

Racismo e criminalização da pobreza. Isso define a ação da Polícia Civil do Rio de Janeiro na favela do Jacarezinho que levou à morte de 25 pessoas. Os movimentos sociais e organizações abaixo listados exigem que o Ministério Público investigue de forma célere todo terror cometido pela polícia, no interior da favela. Instamos por justiça, nesse momento que o mundo inteiro discute políticas e medidas de combate ao racismo e à violência policial.

Na manhã desta quinta-feira, 6 de maio de 2021, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro realizou um verdadeiro massacre. Uma operação na favela do Jacarezinho, que fica localizada na zona norte da cidade – com o uso de equipamentos de guerra: caveirões, fuzis, helicópteros – levou o terror e mortes para os becos e vielas do jacarezinho. A favela mais negra da cidade. Tornando-se a operação policial mais violenta da história do Rio de Janeiro, realizada pela polícia que mais mata no mundo.

Vale destacar que essa política de morte é histórica e estrutural, mas na conjuntura atual se intensifica mediante o desmantelamento dos espaços de controle social até então ocupados por movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Esse desmantelamento ganha materialidade na extinção da Secretaria de Segurança Pública, da Corregedoria Central da Polícia Militar, e no fim do Conselho Estadual de Segurança Pública, desde a chegada de Bolsonaro ao poder e da eleição do agora impeachmado Wilson Witzel.

A ação coordenada pela DPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente) e com a participação de 200 policiais civis visava coibir o tráfico de drogas e a participação de adolescentes em atividades ilícitas, segundo a Polícia Civil. A chacina do Jacarezinho é resultado da política de segurança pública extremamente letal e racista posta em prática no Rio de Janeiro, que desconsidera veementemente os direitos humanos e a possibilidade de uma vida digna para os moradores de favelas, sobretudo os negros.

A operação policial mais letal que se tem registro na história do Rio de Janeiro, aconteceu num contexto de crise sanitária e humanitária mundial, quando o Brasil registra mais de 414 mil mortes por COVID-19. E quando, em razão desta mesma pandemia, uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 635 determinou a suspensão das operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro, podendo estas ocorrerem apenas em ‘hipóteses absolutamente excepcionais’, com justificativa ao Ministério Público Estadual por escrito. No entanto, só o racismo entranhado na sociedade brasileira pode explicar os porquês dessa operação ter sido deflagrada nesse momento. A suposta “excepcionalidade” abriu margem para uma verdadeira chacina promovida por agentes do estado, explicitando a barbárie institucionalizada e a violação do direito à vida dos moradores de favela.

Os registros de imagens mostram corpos espalhados pelos becos e vielas da favela, rastros de sangue nas casas, helicóptero atirando a esmo contra as casas. A unidade de saúde que tem realizado aplicação de vacinas contra a covid-19 precisou ser fechada. Somam-se a todas essas violações ainda, a invasão de casas sem mandado e o confisco de telefones celulares de moradores.

A autorização de uma operação policial como a ocorrida pelo governo do Estado do Rio de Janeiro hoje no Jacarezinho é vivenciada como se houvesse a decretação de um estado de exceção nas favelas. Como se para esses territórios e seus moradores, os direitos estivessem suspensos permanentemente. É inaceitável e estarrecedor, que num contexto de crise sanitária, social e econômica, em que a priorização das autoridades públicas deveria ser uma agenda de preservação da vida, o governo do Estado autorize a entrada das suas forças de segurança nas favelas para alimentar mecanismos de produção da morte. Numa democracia esses mecanismos não deveriam ser alimentados em nenhuma hipótese.

Diferente do que alegam as autoridades responsáveis pela operação, nós, movimentos de favelas e organizações da sociedade civil, estamos preocupados com todas as vidas, sem distinção, pois compreendemos que o direito à vida deve ser o norteador, maior e absoluto, de todas as ações propostas pelo Estado. Compreendemos também que todas as ações do Estado devem ser feitas dentro dos parâmetros legais, zelando toda a dignidade e a vida. Não aceitaremos mais que operações como essa sejam realizadas em territórios negros, e que a população desses territórios seja tratada como inimiga! Não aceitaremos que as “nossas autoridades”, ao realizar seu suposto trabalho, sigam rasgando a Constituição e violando direitos!

Sendo assim, o que nos cabe e será feito com toda a seriedade possível é cobrar dos órgãos competentes a responsabilização por essas 25 mortes, pois esse não é um caso particular ou um acidente. É a prática cotidiana do Estado racista que é o Brasil. Nossa total solidariedade às famílias das 25 pessoas mortas.

Justiça para o Jacarezinho!
Justiça para todas as vítimas da violência letal do Estado!

Assinaturas:

Anistia Internacional Brasil
Articuladas – Mulheres no Enfrentamento à Violência Institucional
Associação Apadrinhe um Sorriso
Associação Casa Fluminense
Centro pela Justiça e o Direito Internacional CEJIL
CIDADES – Núcleo de Estudos Urbanos (UERJ)
Coletivo Papo Reto
Comunidades Catalisadoras (ComCat)
Conectas Direitos Humanos
Educafro
FASE
Frente de Juristas Negras e Negros (FJUNN)
Fórum Social de Manguinhos
Geni/UFF
IDPN – Instituto Defesa da Pop. Negra
IMJA
Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial-Baixada Fluminense-RJ
Instituto de Estudos da Religião- ISER
Instituto Marielle Franco
Justiça Global
LACED/Museu Nacional/UFRJ
Movimenta Caxias
Movimento Candelária Nunca Mais
Movimento Favelas Na Luta
Movimento Mães de Acari
Movimento Mães de Manguinho
Movimento Negro Unificado (MNU)
Nova Frente Brasileira
Observatório de Favelas
Rede de Comunidade e Movimento contra Violência
Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado
Redes da Maré

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