Brasil repete milhares de casos Ximenes Lopes 16 anos após condenação em Corte internacional

Neste 18 de maio, celebramos a luta antimanicomial e a caminhada coletiva de 35 anos, desde a publicação da Carta de Bauru

Por Emily Almeida

 

Brasil de Fato RJ/2016
Brasil de Fato RJ/2016

 

Era dia quatro de julho de 2006, em São José da Costa Rica, quando os então sete juízes da Corte Interamericana de Direitos Humanos condenaram o Estado brasileiro pela violação ao direito à vida, à integridade física e às garantias e proteção judiciais dos familiares de Damião Ximenes Lopes. Ele foi torturado, submetido a condições degradantes e morto em uma clínica psiquiátrica privada conveniada com o SUS no interior do Ceará, na cidade de Sobral.

Foi a primeira responsabilização do Brasil perante a Corte, que ainda reconheceu a grave situação da atenção à saúde mental no país. O julgamento, peticionado pela família com apoio da Justiça Global, deu fôlego à Reforma Psiquiátrica e à Política Nacional de Saúde Mental. No entanto, até hoje, a sentença – que também determinava a formação e a capacitação de trabalhadores de saúde mental – não foi totalmente cumprida.

Desde 2016, já diante do subfinanciamento do SUS agravado pelo Teto de Gastos (Emenda Constitucional no 95 de 2016), o país tem caminhado no sentido oposto ao dos padrões internacionais ratificados, com o enfraquecimento das políticas públicas rumo a um país sem manicômios e pelo cuidado em liberdade – integral, intersetorial e territorializado.

A tônica tem sido o investimento financeiro em entidades religiosas, fortalecendo as internações em comunidades terapêuticas e entidades privadas, ao lado de escolhas de gestores notadamente contrários à luta antimanicomial, além da desestruturação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) com a edição de dezenas de portarias normativas construídas entre 1991 e 2014.

A exemplo, ainda de março deste ano, da revogação do Programa de Desinstitucionalização para reinserção social de pessoas com transtornos mentais e por uso de substâncias, como álcool e outras drogas, seguido pelo aumento do financiamento de hospitais psiquiátricos, centralizando ainda mais o serviço e isolando ainda mais os usuários. 

 

Tortura e negligência 

O crime contra Damião Ximenes evidencia, dentre outros aspectos, os graves problemas e riscos gerados pela segregação e isolamento de pessoas com transtornos mentais. Relatos sobre maus-tratos, violência e morte em hospitais psiquiátricos e casas de repouso não são novidade.  

Internado no único atendimento acessível em sua cidade, a pouco mais de duzentos quilômetros de Fortaleza, Damião Ximenes Lopes tinha cortes e feridas em diversas partes do corpo, indicando inclusive que teve as mãos amarradas para trás. Em uma das visitas, a mãe, Albertina Viana Lopes, relata ter encontrado seu filho sangrando, com hematomas e roupas rasgadas, sujo, cheirando a excremento e com dificuldade para respirar. Damião foi morto em 1999, com apenas 30 anos.

A família ainda enfrentou um longo processo de falta de respostas e desqualificação de seus questionamentos por parte da instituição e também do Estado, que negou a negligência, a responsabilização e a reparação.

Ainda no ano passado, o Estado brasileiro voltou a ser questionado pelo descumprimento da sentença em audiência da Corte Interamericana.

Saiba mais

 

Por uma sociedade que preze pelo cuidado em liberdade

Assim, a luta antimanicomial protege não apenas as pessoas com transtornos mentais, mas crianças, adolescentes, adultos e idosos em abrigos, pessoas em situação de rua, aquelas com transtornos por uso abusivo de álcool e outras drogas… Enfim, qualquer pessoa em privação de liberdade, sujeita ao controle do Estado, em especial de mentes e corpos não normativos, incluindo a população negra e LGBTIA+.

Por isso, hoje celebramos a luta antimanicomial e a caminhada coletiva de 35 anos, desde a publicação Carta de Bauru, de seus defensores e defensoras, e todas as pessoas que contribuíram e contribuem cotidianamente na provocação por uma sociedade sem manicômios, como Nise da Silveira, Bispo do Rosário, Stella do Patrocínio, Dona Ivone Lara e muitos outros.