A permissão para uso de armas menos letais e letais e outros equipamentos de controle em centros de detenção juvenil, além de apresentar uma grave violação de tratados internacionais, pode significar uma liberação para instrumentos de tortura nesses locais. O Projeto de Lei 6433/16, em tramitação no Congresso, autoriza, entre outras coisas, a utilização de dispositivos de eletrochoque, que já foram condenados pela ONU no uso contra crianças, adolescentes e mulheres grávidas. Algumas dessas armas funcionam por contato, permitindo causar dores extremas às vítimas sem deixar marcas substanciais, sendo denunciadas como métodos de tortura. A Justiça Global e a Omega Research Foundation produziram um parecer técnico* apontando as irregularidades no projeto, que foi encaminhado para deputados federais e também para a ONU, a OEA e outras organismos internacionais, como forma de pressionar o Estado brasileiro a garantir o direito de crianças e adolescentes.
O texto está em discussão na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Ele prevê o uso de “dispositivos de incapacitação neuromuscular (eletrochoque)”. Concebidos para causar dor, em vez da incapacidade, esse tipo de armamento não tem uma função legítima de aplicação da lei que não pode ser conseguida através de meios menos nocivos. Um fabricante chinês afirma que suas luvas de choque elétrico produzem os seguintes efeitos: “os músculos irão sofrer uma forte reação como encolhimento e espasmo, e o cérebro do homem ficará vazio para perder a capacidade de comandar as outras partes do corpo para agir”. O Comitê da ONU contra a Tortura é claro ao dizer que tais armamentos “devem ser inadmissíveis no equipamento do pessoal de custódia nas prisões ou em qualquer outro local de privação de liberdade”, ou seja, não deveria ser utilizados nem mesmo contra adultos sob custódia do Estado.
Entre os pontos do projeto que apresentam maior risco está um que chega a permitir o uso de armas de fogo durante as transferências de detidos juvenis e permitir que o pessoal do centro de detenção juvenil utilize armas de fogo fora do trabalho. “Os centros, hoje, já funcionam como as prisões para adultos. São espaços violentos e desumanizadores, onde os jovens não têm condições mínimas de ressocialização. Um projeto como esse vem para agravar isso, ressaltando também a incapacidade do Estado brasileiro de manter sistemas de privação de liberdade sem violações de direitos humanos”, explica Sandra Carvalho, coordenadora da Justiça Global.
As Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade (Regras de Havana) prevêem que os instrumentos de restrição e força só possam ser utilizados em circunstâncias excepcionais e, mais especificamente, que “o transporte e o uso de armas pelo pessoal devem ser proibidos em qualquer instalação onde os menores sejam detidos”.
O documento da Justiça Global e da Omega também destaque que o projeto de lei busca permitir de forma muito vaga e ampla o uso de equipamentos de controle de distúrbios. Isso pode levar à introdução de equipamentos ofensivos projetados para controle de multidões em centros de detenção juvenil. Esse equipamento inclui lançadores de 38 a 40mm (que foram vistos na posse de funcionários da prisão / equipe de trabalho de emergência em prisões de adultos no Brasil), granadas químicas (gás lacrimogêneo), granadas de explosão e atordoamento, armas de bala de borracha, etc. Isso é contrário às Regras de Havana. Além disso, o equipamento de controle de multidão ofensivo é amplamente projetado para uso em espaços abertos. O uso em locais de detenção podem constituir uma força excessiva que pode resultar em lesões injustificadas.