Na ONU – A resistência transnacional às empresas violadoras de direitos humanos

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Raphaela Lopes é advogada da Justiça Global 

 

Assassinatos de defensores de direitos humanos, espionagem, grilagem de terras, cooptação de lideranças, violação de direitos políticos, sociais e econômicos de comunidades e sindicatos. Estes são alguns dos impactos negativos decorrentes da atuação de empresas transnacionais que poderão ter uma resposta esta semana na Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça. Ocorre até esta sexta-feira, dia 27, a terceira sessão do Grupo de Trabalho para a Elaboração de um Instrumento Legalmente Vinculante sobre Empresas Transnacionais e outras Empresas com Relação aos Direitos Humanos. A expectativa é ter, ao final desta semana, um relatório que possa levar à elaboração de um projeto de Tratado a ser negociado no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Pendente desde a década de 1970, quando se deu o primeiro intento de aprovação de um instrumento desta natureza, a adoção de de um Tratado Vinculante torna-se especialmente importante no momento atual de avanço do capitalismo global e a atuação sem escrúpulos de empresas transnacionais, que dá origem a uma variedade de casos de violações de direitos humanos.
O desafio é grande. As empresas obviamente se opõem ao processo e apostam, em vez de obrigações vinculantes a nível internacional, na implementação de Planos de Ação Nacional e a adoção de mecanismos voluntários de direitos humanos. As grandes potências, como a União Europeia tem tentado de todas as formas bloquear o processo, de modo a beneficiar as empresas oriundas desses países.

Mas os povos do mundo, historicamente espoliados e afetados por uma atuação que prioriza os lucros em relação aos direitos humanos, estão absolutamente comprometidos com o processo de discussão do Tratado e atentos, pressionando governos e trazendo para o Palácio das Nações, em Genebra, relatos das injustiças cometidas pelas empresas.

A sociedade civil está atuando tanto dentro do palácio, levando para o debate as vozes dos atingidos por essas empresas, quanto do lado de fora, onde uma tenda permanente foi montada. Pela troca de experiências entre povos de diferentes cantos do planta, fica claro que, assim como o capital, as violações e, mais importante, as resistências também são transnacionais.

Saiba mais sobre as atividades em Genebra

(Fotos: Victor Barro)

Quilombola fala na ONU sobre violações cometidas pela mineradora Vale

Entre as vozes escutadas na discussão sobre o Tratado estava a de Joércio Pires da Silva, o Leleco, quilombola de Santa Rosa dos Pretos, no Maranhão, que é impactado diretamente pela atuação da Vale. Leia o relato de Joércio na ONU:

Foto: Raphaela Lopes
O quilombola Leleco discursa na ONU

Sou Joércio, mais conhecido como Leleco, da Rede Justiça nos Trilhos e da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale. Falo em nome da Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo e em nome de milhares de quilombolas e comunidades tradicionais no mundo que vêm sofrendo impactos e violações de direitos em seus territórios, por conta das grandes corporações.

Moro em um território quilombola, chamado Santa Rosa dos Pretos, estado do Maranhão, Brasil.

Quilombos são territórios para onde meus ancestrais negros e escravizados fugiam para desenvolverem suas culturas e tradições, resistindo a um sistema, em que lhes era negada a sua autonomia e eram visto apenas como mercadorias e mão de obra barata, sem as mínimas condições. Então, quilombos são territórios de resistência usadas para se defenderem do sistema opressor.

Venho falar sobre a relevância desse tratado para nós, povos tradicionais, que somos impactados por essas grandes transnacionais, e de como é importante que ele proteja todos os direitos igualmente, sem qualquer hierarquia, pois as empresas violam os direitos também sem qualquer distinção.

As empresas, principalmente a Vale, não respeitam acordos internacionais, como exemplo no território em que vivo, onde temos o processo de duplicação da ferrovia Carajás, por onde se escoa o minério de ferro extraído da Serra de Carajás. Nesta duplicação, a empresa não respeitou em momento algum a consulta prévia de povos e comunidades tradicionais, passando por cima dos territórios como se ali não existissem vidas, pessoas, mulheres, homens, crianças, animais, rios e florestas.

Antes da passagem dessa ferrovia, na década de 80, nós, moradores, vivíamos especificamente da agricultura e da pesca. Isso terminou quando ela matou nosso igarapé e destruiu uma grande parte de terra, que era usada para produção do arroz e da farinha.

Em 2009, a empresa contestou o nosso status como quilombola, no Relatório necessário para que a nossa terra fosse titulada, paralisando todo o processo de regularização fundiária.

Após descobrirmos que o processo de regularização estava parado por conta dessa contestação da empresa, ocupamos a ferrovia por alguns dias. Cinco lideranças dos territórios foram processadas e vêm respondendo em juízo. Dessas cinco pessoas processadas, tinha uma que nem se encontrava no local por conta de doença e mesmo assim teve seu nome divulgado como um dos organizadores da ocupação.

A empresa Vale monitora as lideranças e todo tempo vem tentando coopta-las quando não consegue, passa a perseguir e criminaliza-las, isso ela consegue muito bem, por conta de ela ter o capital financeiro e ter grande parte da justiça em sua mão, o acesso que o território não tem à Justiça, a Vale consegue sem esforço algum.

Então esse tratado faz-se necessário para que as empresas sejam responsabilizadas diretamente pelos atos que elas causam, para que elas parem de atentar contra os nossos direitos.

Chega de violações! Queremos nossos territórios livres e nossos direitos respeitados!