Em Genebra, defensora de direitos humanos da Maré/RJ ressalta violações nas investigações de crimes do Estado

Bruna da Silva é mãe de Marcus Vinícius, que foi morto em 2018 pela polícia quando estava a caminho da escola, aos 14 anos de idade. Ela esteve na sede da ONU, em Genebra, para denunciar as constantes violações de direitos humanos a que são submetidos os moradores de favelas, em decorrência da chamada “Guerra às Drogas” – uma política que, por todo Brasil, se traduz como um verdadeiro extermínio da juventude negra e pobre.

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Nesta segunda-feira(18), a Justiça Global, a Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos (CMDPDH) e a Anistia Internacional Filipinas realizaram um evento paralelo à 54ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para discutir as Guerra às Drogas e as possibilidades de internacionalizar a responsabilização dos crimes cometidos pelos Estados.

Ao lado de outros familiares e vítimas da violência do Estado, além de organizações de Direitos Humanos, do México e das Filipinas, a integrante do Movimento Mães da Maré/RJ, Bruna da Silva,  apresentou a situação da violência policial no Brasil. Moradora do Conjunto de Favelas da Maré, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.  Bruna da Silva teve seu filho, Marcus Vinicius, de apenas 14 anos, assassinado em 2018 quando estava a caminho da escola durante uma operação realizada pela Força de Segurança Nacional, em conjunto com a Polícia Civil do Rio de Janeiro, durante o período de Intervenção federal no estado fluminense. Desde então, ela se mobiliza com outras mães e outros familiares de vítimas da violência policial no contexto de guerra às drogas.

“Depois de ser baleado, Marcus me disse que o tiro veio do carro blindado de guerra, que a própria polícia chama de caveirão, e me perguntou ‘O que eu fiz, mãe? A polícia não viu meu material de escola?’. Nós, mães de vítimas, não temos direito algum. Somos levadas à luta imediatamente. Sempre que alguém é morto pela polícia é criada uma série de mentiras. Entre elas, a que a pessoa faz parte de grupos criminosos que atuam no varejo das drogas”, escreveu.

Violações de direitos humanos nas investigações e no acesso à justiça

Para a defensora de direitos humanos, as violações não ocorrem apenas no momento em que alguém é sumariamente executado, mas ao longo de todo o processo de investigação dos casos de violência cometidos pelo Estado, com as lacunas no controle externo das atividades policiais, pelo Ministério Público e a falta de perícia independente no Brasil. “As equipes são ligadas à polícia ou às secretarias de segurança. Em muitos casos a perícia não é realizada ou demora tanto que as evidências do crime se perdem. No caso do meu filho, a perícia só aconteceu porque existe uma ONG chamada Redes da Maré que atuou de imediato acionando outros órgãos como a Defensoria”, afirmou.

Bruna da Silva também apresentou os problemas no sistema de garantias de justiça, ao afirmar que o sistema justiça que é seletivo ao não punir os crimes de Estado contra a vida ao mesmo tempo que encarcera de maneira massiva pessoas negras, especialmente as mulheres.

Moderado por Lucia Chavéz, diretora-executiva da CMDPDH (México), o evento teve participação de: Araceli Rodriguez, vítima acompanhada pelo CMDPDH; Grace Fernandez, irmã de vítima de desaparecimento forçado; Bruna da Silva, mãe de vítima e do Movimento Mães da Maré/RJ; Wilnor M. Papa, Anistia Internacional Filipinas; e Zaved Mahmood, do Escritório do Alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos/ Política de Drogas e Direitos Humanos.

A violência policial tem cor, classe e CEP

Durante sua apresentação, a integrante do movimento Mães da Maré em Genebra lembrou o que caracteriza as pessoas e os territórios onde o Estado mata sem consequências, com destaque às favelas cariocas. “São locais onde vive uma maioria de pessoas negras, nordestinas e pobres, que não têm fábrica de drogas ou armas. É como se viver ali nos tornasse pessoas criminosas, por isso a polícia e as autoridades em geral não tem constrangimentos de criminalizar uma criança como fizeram com meu filho. Inclusive, a principal testemunha do caso do meu filho, José Henrique da Silva, foi morto pela polícia e os policiais atribuíram a ele a posse de uma mochila com armas e drogas que foi apreendida antes, sob posse de outra pessoa”, declarou.

Bruna da Silva citou como exemplo o caso da jovem negra Kethlen Romeu, designer de interiores de 24 anos e grávida de 14 semanas quando foi assassinada no Lins de Vasconcelos, Zona Norte do município do Rio, em 2021. E ainda citou a morte de Heloísa dos Santos Silva, de 3 anos, foi atingida por um tiro de agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) contra o carro da família, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro.

“Nossa luta é genuína, é por memória, verdade e justiça. O Estado tem que ser responsabilizado, inclusive criminalmente”, concluiu.