“Acorda, MP”: População pede que MP-RJ cumpra função de controle externo da atividade policial

Representantes das várias organizações que compõem o Fórum Popular de Segurança Pública (FPOPSEG) do Rio de Janeiro fizeram manifestação em frente à sede do órgão nesta quinta-feira (28)

 

Por Emily Almeida

 

A Constituição Federal de 1988 estabelece o Controle Externo da Atividade Policial entre as funções institucionais do Ministério Público. Essa atribuição é fundamental para que se investigue e responsabilize as forças policiais em casos de abusos contra os direitos humanos e perseguições a civis por parte do Estado, incluindo casos de execução sumária, tortura e desaparecimento forçado.  Sem essa tarefa, esses casos são encaminhados (quando são) apenas pelas próprias corporações, através das Corregedorias, comprometendo a independência do processo. O MP pode e deve produzir esse controle de forma anterior e preventiva às operações, seguindo protocolos de redução do uso da força.

 

No entanto, enquanto o estado do Rio de Janeiro tem vivido um aumento progressivo do aumento da violência decorrente da ação policial, as corporações têm recebido mais autonomia funcional e investimento bélico. O orçamento para segurança pública do estado de 2022 corresponde a mais de 14% do total, o equivalente a 12 bilhões de reais, segundo levantamento realizado pela Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial no ano de 2021. Mais do que o montante destinado a pastas elementares, como saúde, educação, habitação, transporte, saneamento e cultura.

 

Ao lado disso, os mecanismos de controle social estão cada vez mais frágeis. Um exemplo foi a extinção, em abril de 2021, do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (GAESP), órgão do MP que acompanhava casos de violência letal e de violações de direitos humanos em favelas envolvendo agentes das forças policiais. O GAESP concedia acesso à informação e realizava reuniões periódicas com movimentos sociais de familiares de vítimas e movimentos de favelas, sendo um canal de acesso direto aos promotores responsáveis pelos casos. 

 

Com o fim do GAESP, nenhum dos familiares e sobreviventes foi contatado, nem sequer para que lhes fosse informado quem seriam os novos promotores responsáveis por seus casos. E pior, nenhum dos movimentos sociais aqui representados tiveram retorno sobre suas solicitações de acesso à informação e pedidos de reunião com a procuradoria-geral.

 

Por isso, as dezenas de organizações que compõem o Fórum Popular de Segurança Pública (FPOPSEG) do Rio de Janeiro, lançado há um mês, realizam um ato na última quinta-feira (28) cobrando o MP-RJ e apontando as consequências do silenciamento do MP diante da reiterada situação. “Consideramos, portanto, o fim do GAESP e a negligência com aqueles mais intensamente impactados pelo descontrole das forças policiais como uma demonstração de descaso do Ministério Público. Resultado da falta de compromisso para com o controle externo da atividade policial e a garantia ao direito de sobreviventes e familiares a uma investigação eficaz”, diz o manifesto produzido para a ação popular.

 

Fotografia mostra grupo de cerca de 30 pessoas com punho cerrado para cima segurando uma placa de fundo preto e letras brancas garrafais onde se lê "Acorda, MP". Elas estão na frente da entrada do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, indicada pela placa acima delas. No chão em frente ao grupo, há cartazes com fotos de jovens vítimas da violência policial espalhados pelo chão.
Representantes das mais de 30 organizações que compõem o FPopSeg-RJ estiveram na porta do Ministério Público do RJ nesta quinta (28). Foto: Patrick melo/IDMJR

 

O texto também destaca que a negligência do MP faz com que a responsabilidade recaia sobre os próprios familiares das vítimas: “É preciso garantir que familiares não morram mais aguardando a tramitação de seus processos. E que as falhas nas investigações, frequentemente apontadas por eles e por entidades de direitos humanos, sejam tratadas com seriedade”. 

 

Chacinas em série nas favelas

 

Somente entre maio de 2021 e maio 2022, foram registradas 39 chacinas, totalizando 178 mortos, segundo levantamento do Instituto Fogo Cruzado em parceria com o GENI / UFF. Os dados evidenciam os efeitos desastrosos das recorrentes operações policiais realizadas em claro descumprimento à decisão do STF no âmbito da ADPF 635, a ADPF das Favelas, que visa enfrentar a violência policial. 

 

Em 24 de maio, ocorreu a segunda chacina mais letal da história de nosso Estado – Chacina da Vila Cruzeiro (Complexo da Penha). Mesmo diante das 23 execuções e de inúmeros relatos de violações de direitos, o governador Cláudio Castro declarou ter se tratado apenas de “ efeito colateral ” de mais um episódio da chamada “guerra às drogas”. Em menos de dois meses, mais uma chacina. Dessa vez, em Manguinhos, em 12 de julho. Mais 6 mortos sob a justificativa de “auto de resistência”; alegação mais comum em operações e episódios de violência policial que, em geral, têm como únicas testemunhas de sua veracidade agentes do Estado.

 

Na semana passada o governador Cláudio Castro e suas polícias (militar e civil) com a colaboração da polícia rodoviária federal realizou mais uma chacina, agora no Complexo do Alemão levando a óbito mais 20 pessoas.

 

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) determinou, na sentença de Nova Brasília, em 2017, que o Estado deve “assegurar o pleno acesso e a capacidade de agir dos familiares (das vítimas da violência policial) em todas as etapas dessas investigações” (par. 292).  Ademais, a resolução 121 do Conselho Nacional do Ministério Público, em seu Artigo 4o, postula que os familiares devem ter o direito de participação nas investigações, devendo ser ouvidos e informados sobre o andamento das mesmas pelo Ministério Público, o qual não pode arquivar os casos sem que as famílias sejam notificadas anteriormente.

 

 

O que é o Fórum Popular de Segurança Pública (FPOPSEG) do Rio de Janeiro?

 

O Fórum é uma articulação da sociedade civil – composta por movimentos sociais de favelas e de familiares de vítimas da violência de Estado, organizações da sociedade civil, universidades e ativistas independentes – que busca construir uma concepção de segurança pública, pautada pelo povo preto e periférico, que realmente proteja a  Vida e que tenha o Bem Viver como princípio fundamental. O Fórum foi lançado em 29/06/2022 na UERJ.

Para isso, é fundamental superar o modelo vigente, baseado na lógica de enfrentamento bélico e que tem, asism, vitimado favelas e periferias, tombando corpos negros. Isso não se fará sem respeito à memória, justiça e reparação para familiares e sobreviventes da violência de Estado e para suas comunidades.

A Justiça Global compõe e apoia esta iniciativa!

Conheça mais sobre em: https://fpopseg.org/

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