Na imprensa: É urgente que Lula publique decreto do Plano de Proteção a Defensores/as

O governo Lula tem feito discursos em defesa dos direitos humanos, mas palavras não bastam. É urgente consolidar um sistema eficaz de proteção.

OPINIÃO | Por Sandra Carvalho e Daniele Duarte, ao Correio Braziliense.

A relatora especial das Nações Unidas para a situação dos defensores de direitos humanos, Mary Lawlor, apresentou um documento contundente na 59ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que terminou em abril. Elaborado após visita ao país no ano passado, o relatório de Lawlor expõe uma realidade inaceitável: no Brasil, aqueles que dedicam suas vidas para defender justiça e dignidade humana seguem ameaçados, perseguidos e assassinados, enquanto o Estado falha em protegê-los.

Os números confirmam o alerta: 169 defensores de direitos humanos foram assassinados no país entre 2019 e 2022, segundo o último levantamento da Justiça Global e da Terra de Direitos. São essas vozes, fundamentais para a democracia, que permanecem desamparadas e vulnerabilizadas.

Criado para garantir sua segurança, o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), porém, tem se tornado incapaz de responder às ameaças, enfrentando escassez de recursos, falta de articulação entre instituições e ineficácia na implementação de medidas concretas. O assassinato da ialorixá e líder quilombola baiana Bernadete Pacífico, mesmo sob proteção, em 2023, escancara essa falha sistêmica.

A situação é especialmente crítica para lideranças indígenas, quilombolas, mulheres, pessoas trans e ativistas ambientais. A pesquisa na Linha de Frente apontou, ainda, que 78,5% dos(as) defensores(as) de direitos humanos que sofreram violência atuavam em defesa da terra, território e meio ambiente — com destaque para ativistas indígenas.

Esse cenário violento, sobretudo no campo e nas florestas, ainda ganhou um agravante: a aprovação do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas (Lei 14.701/23), que agora é discutido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), numa câmara de conciliação cuja legitimidade é alvo de questionamentos por entidades indígenas e indigenistas.

Recomendando prioridade no julgamento da tese, que tem acirrado os conflitos, o relatório de Mary Lawlor destacou: a terra é chave para a sobrevivência desses(as) defensores(as) como povos e comunidades. Não é exagero afirmar que a medida se mostra como uma das principais ameaças aos direitos humanos no atual contexto do Brasil.

Poucos dias após apresentar o documento, a relatora da ONU se manifestou em suas mídias sociais cobrando responsabilização dos envolvidos no assassinato de Vitor Braz Pataxó, morto a tiros, em março, na Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, em Porto Seguro–BA, e destacou que visitou o território quando esteve no Brasil.

Os Pataxós vêm enfrentando acirramento dos conflitos desde 2023 — que coincide com o processo de retomada iniciado por eles em resposta às invasões e exploração de seus territórios ancestrais. Tal fato levou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, naquele ano, a outorgar medidas cautelares, ainda vigentes.

Ilustração de Maurenilson Freire/Correio Braziliense.

Embora haja dificuldades, é preciso reconhecer os avanços. Em dezembro passado, o Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta entregou ao governo federal uma proposta de Plano Nacional de Proteção e um anteprojeto de lei sobre a Política Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.

O grupo foi criado por determinação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao condenar a União a elaborar um plano nacional. A decisão responde à ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em 2017 e à condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2023, pelo assassinato do advogado Sales Pimenta, em Marabá–PA.

No entanto, sem um decreto presidencial que transforme essas recomendações em política pública vinculante, o risco de que se percam na burocracia estatal é enorme. O governo Lula tem feito discursos em defesa dos direitos humanos, mas palavras não bastam. É urgente consolidar um sistema eficaz de proteção, ampliar recursos, fortalecer a articulação institucional e estabelecer protocolos nítidos para a investigação de crimes contra defensores de direitos humanos. O relatório da ONU reafirma a gravidade do problema e reforça a responsabilidade do Brasil.

Não há tempo a perder. Cada dia sem ações concretas pode custar mais vidas. O governo federal tem em suas mãos a oportunidade de interromper o ciclo de violações e deixar um legado na defesa dos direitos humanos. A publicação imediata do decreto regulamentando o PPDDH é um passo fundamental para transformar discursos em justiça e proteção real. Um real avanço para a democracia brasileira.

*Artigo publicado na edição impressa e digital do jornal Correio Braziliense de 15 de maio de 2025.
**Sandra Carvalho é socióloga e cofundadora da Justiça Global, organização integrante do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos; e Daniele Duarte é assistente social, doutoranda na PUC-Rio e diretora-adjunta da Justiça Global.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *