
Desde que o irmão foi executado por policiais, em 2009, Josilmar Macário luta por justiça e contra a violência policial na cidade do Rio e já sofreu diversas retaliações por isso. Os três PM’s identificados foram condenados em 2003, mas recorreram da decisão, e só agora tiveram a prisão determinada.
Desde que seu irmão foi executado por policiais militares, em 2009, Josilmar Macário – ao lado do seu irmão, Luciano Cuca – luta por justiça e contra a violência policial no Rio de Janeiro. Ele inclusive já sofreu ameaças e atentados por isso, tendo sido inserido no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos. Mais de uma década depois, em julho de 2025, o Tribunal de Justiça do Rio determinou a prisão em regime fechado de três policiais militares condenados pela chacina.
Na ocasião, seis pessoas foram executadas no Morro da Coroa, no Catumbi, região central da cidade. De acordo com a decisão da 8ª Câmara Criminal, todas foram mortas com tiros pelas costas e na cabeça, sem qualquer vínculo com o tráfico de drogas. O crime foi inicialmente registrado como “auto de resistência”, mas investigações e perícia comprovaram que não houve confronto.
Entre as vítimas estava o lanterneiro Josenildo dos Santos, 42 anos, morto com um tiro na nuca, à queima-roupa. Seus irmãos, Macário e Cuca, contestaram a versão policial desde o início, buscaram provas por conta própria e se articularam com outros familiares de vítimas da violência estatal.
A Justiça Global conversou com Josilmar, hoje com 61 anos, sobre a decisão judicial, a trajetória de luta e os desafios que permanecem.
JG – Vocês praticamente fizeram uma perícia própria e acompanharam todo o processo de perto. Como foi isso?
Macário – Desde o dia seguinte ao crime, começamos a buscar provas. Quando completou dois anos, estávamos recebendo a medalha Chico Mendes, na OAB, pela coragem de denunciar e buscar justiça. Minha mãe, já doente, me pediu chorando: “Que isso seja a última coisa que você faça na sua vida: conseguir justiça pelo seu irmão”. Quando ele foi assassinado, tinha acabado de passar no Enem e conseguido bolsa integral para engenharia de petróleo e gás. A família tinha toda uma expectativa de futuro, e de repente tudo foi arrancado de forma absurda. E o pior: depois de matar, fabricam um bandido e matam a família duas vezes. Nós coletamos provas no próprio local do crime — manchas de sangue, fragmentos de tecido, fios de cabelo. Procuramos um perito independente, o coronel e médico legista doutor Leví Inimá de Miranda, uma das maiores autoridades em balística no mundo. Ele fez um laudo técnico de 198 páginas, anexado ao processo, que a defesa nunca conseguiu rebater.
JG – E houve retaliação por causa dessa atuação?
Macário – Sofri ameaças e atentados. Uma vez, em 2010, tentaram me matar com um tiro quando eu estava trabalhando. Só escapei porque abaixei para pegar o rádio no chão do carro e, nessa fração de segundos, o disparo não me atingiu. Outra vez, estava com o doutor Levi e tivemos que nos esconder. Foram três atentados entre 2010 e 2011.
Desde então, minha vida mudou totalmente. Não durmo tranquilo, não tenho lazer, minha família vive preocupada. Esse grupo de policiais é maior do que os que foram presos. E mesmo condenados, continuam com a farda, com poder e com aliados.
JG – Nesses anos de luta, você percebe avanços nas políticas públicas ou nas investigações?
Macário – Avanços reais, não. O que mudou foi que a população nas comunidades está mais atenta. Hoje, quando a polícia entra e detém alguém, os moradores cercam, filmam, registram. Antes, as pessoas se escondiam. Isso é fruto da mobilização dos familiares de vítimas. Mas políticas públicas de verdade não existem. O que entra na comunidade é só polícia, com tiro, porrada e bomba. A violência interessa para quem governa. E enquanto houver corrupção policial e certeza de impunidade, vai continuar acontecendo.
A questão da criminalidade, ela existe para além do contexto da favela, mas por que que essas mortes acontecem somente na favela? O que ninguém reclama é uma terra de ninguém Quer dizer, é melhor instalar dentro dentro do contexto de favel uma lógica de guerra, porque aquelas vidas valem menos. Não têm estratégias mais inteligentes e elaboradas pra tentar desarticular o crime organizado? E o o que é o bandido da favela? Ele é um varejista ou o cara que rouba às vezes pra uma situação imediata. Agora o grande bandido mora onde? e. O cara que tava tentando vender fuzis, pra toda a população, o vizinho dele tinha centenas de fuzis. Quem vai buscar as armas? Não são os bandidos da favela. Alguns desses fuzis inclusive vêm de fora.
Se não houvesse carta branca para matar, se não houvesse a certeza da impunidade, meu irmão estaria vivo. Nas favelas, a vida vale menos. A carne preta é a mais barata do mercado e, na favela, a maioria esmagadora é negra. Se investissem em educação, esporte, cultura, como Brizola tentou fazer, a criminalidade cairia. Mas preferem manter a lógica de guerra.
JG – E agora, com a prisão, vocês se sentem mais tranquilos?
Macário – Não. Esse grupo é maior. Eles ainda têm conexões, e agora vão ter “sangue nos olhos” contra a gente. A luta continua. Só vamos descansar quando eles guardarem a farda e estiverem definitivamente fora das ruas.