No tribunal da farda, PMs são absolvidos por fraude processual no caso Kathlen Romeu

“Mais um tiro de fuzil”, lamenta a família. MP-RJ já recorreu da decisão. Justiça Globall lembra que a Corte Interamericana de Direito Humanos já se manifestou sobre julgamento de militares.

Na última terça-feira (6), a Auditoria da Justiça Militar do Rio de Janeiro absolveu, por maioria de votos, o sargento Rafael Chaves Oliveira e os cabos Rodrigo Correia Frias e Marcos Felipe da Silva Salviano, acusados de fraudar o local do assassinato de Kathlen Romeu, no Complexo do Lins, Zona Norte da cidade, em junho de 2021. Grávida de quatro meses, Kathlen, mulher negra de 24 anos, foi atingida por tiros de fuzil quando saía da casa da avó.

Os policiais foram absolvidos das acusações de falso testemunho e de adulteração da cena do crime, incluindo a retirada de cápsulas do local.O Ministério Público do Rio de Janeiro também os acusava de acrescentar 12 cartuchos para sustentar a versão de confronto com grupos criminosos. O órgão já recorreu da decisão.

O julgamento no Conselho Especial de Justiça foi formado por quatro oficiais militares — que votaram pela absolvição, alegando falta de provas — e por um juiz civil, único voto pela condenação. “Houve inovação artificiosa no local do crime, como comprovado nos autos. A prova técnica mostra que não houve confronto”, afirmou o juiz Leonardo Picanço, segundo reportagem do G1

Processo por crime doloso segue na Justiça comum

Frias e Salviano, acusados de efetuar os disparos de fuzil, ainda serão julgados pelo Tribunal do Júri, em processo que tramita na Justiça Comum. A data não foi definida, e os réus aguardam o julgamento em liberdade.

Família diz não estar surpresa: “onde já se viu militar julgar militar?”

Mais uma vez, diversos representantes de movimentos de familiares de vítimas da violência do Estado acompanharam o julgamento em apoio aos pais da jovem, Jackilline Lopes e Luciano Gonçalves. 

É mais um tiro de fuzil que eu, todos meus amigos, familiares e todos que amavam Kathlen tomam do Estado”, afirmou Jacklline à Ponte Jornalismo. “Nós pretos, favelados e periféricos já nascemos com um alvo nas costas. Você pode ser o melhor ser humano, fazer tudo socialmente correto, mas você já tem um alvo e, a qualquer momento, pode ganhar um tiro de fuzil. É uma senzala contemporânea: antes a gente morria com chicote, e hoje a gente já morre com tiro de fuzil”, completou.

A mãe da jovem ainda criticou a composição do julgamento: “É um sistema que, quando não nos mata com um tiro de fuzil, nos nega a justiça, viola os nossos direitos todos os dias. Então, recebemos essa decisão com decepção no Judiciário. Nem deveria existir esse tribunal militar, porque a forma que ele se compõe é um escárnio”, afirmou.

Mãe, pai e avó de Kathlen acompanharam o julgamento ao lado de outros familiares de vítimas da violência policial do Rio mobilizados em frente ao TJ-RJ. Crédito: Redes sociais/Instituto Marielle Franco.

A Justiça Global se solidariza com Jacklline, Luciano e com os demais familiares de vítimas de violência policial, que sentem o impacto diante da decisão. E lembra que a Corte Interamericana de Direito Humanos já se manifestou em sentença de 2024 sobre julgamento de militares no caso do assassinato do trabalhador sem-terra Antônio Tavares. 

“A Corte IDH determinou que crimes cometidos por militares contra civis sejam investigados fora das corporações e julgados pela Justiça Comum, e não pela Justiça Militar. Essa mudança é fundamental para que os casos de violência policial sejam apurados de forma independente”, afirma a diretora-executiva da Justiça Global, Glaucia Marinho.

 

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