Defensores/as de direitos humanos e organizações cobram ratificação de Escazú e política de proteção em audiência na Câmara dos Deputados

Evento marcou a apresentação para a Casa Legislativa dos dados sobre violência contra defensores/as de direitos no Brasil nos últimos dois anos

Na manhã desta terça-feira (7), defensoras e defensores de direitos humanos, parlamentares e representantes de organizações da sociedade civil participaram da audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHM) da Câmara dos Deputados para discutir sobre o contexto de violência e criminalização vivenciado por quem defende direitos humanos no país.  

A audiência, requerida pelo deputado federal Reimont (PT/RJ), com apoio de Erika Kokay (PT-DF), Tadeu Veneri (PT-PR) e Padre João (PT-MG), marcou o lançamento para a Casa legislativa do estudo “Na Linha de Frente – Violência contra defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil (2023-2024)”, elaborado pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global. 

 

Dados apontam cenário de violência 

Daniele Duarte, diretora-adjunta da Justiça Global, e Darci Frigo, coordenador executivo da Terra de Direitos, apresentaram os dados na nova edição do estudo que registrou 486 casos de violência contra defensores/as nos últimos dois anos. A pesquisa levanta casos de assassinatos, ameaça, agressão física, atentado à vida, criminalização e deslegitimação.  

“A pesquisa é uma amostra do que acontece na vida de defensoras e defensores de direitos humanos no país. A gente sabe que o Programa Nacional de Proteção tem outros números que ainda não são públicos. Mas essa amostra traz uma série de informações importante para que a gente possa avaliar a qualidade da nossa democracia”, ressalta Darci Frigo, da Terra de Direitos. 

>> Acesse aqui a pesquisa: 

Violência em áreas de conflito por terra e território e meio ambiente e a COP 30 

Na audiência, Daniele Duarte chamou a atenção para a concentração de violência no Pará, estado que sediará a próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) em novembro. 

Um em cada cinco casos de violência ocorreram no estado. E 94% desses registros foram contra quem defende os direitos territoriais e ambientais. “Isso evidencia o peso do conflito ligado à terra, à floresta e aos recursos naturais”, observou.  

Mais da metade dos casos de violência no geral (53,9%) foi cometida dentro do território de referência ou na moradia do(a) defensor(a), e a maioria (67%) ocorreu em áreas rurais. Duarte denunciou que, frequentemente, as ameaças não são investigadas até se concretizarem em violência física. 

Auricélia Arapiun, liderança indígena do Baixo Tapajós (Pará) e membro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) alertou que o cenário de violência tem se intensificado mediante a proximidade do mega evento, classificando a situação como contraditória: “Ter uma COP dentro do nosso estado ao mesmo tempo que essas violências acontecem porque estamos lutando para proteger nossos rios e as nossas florestas”.  

Auricélia, que já foi ameaçada por sua luta pela demarcação de territórios indígenas, afirmou: “Não queremos ser dados, não queremos ser mais números. Queremos viver. Eu não me adapto a nenhum desses programas, porque são programas que nos punem, a política nos pune. A proteção para nós, ela não é uma proteção individual do indivíduo, ela precisa ser uma proteção do coletiva“.  

 

Urgência na ratificação do Acordo de Escazú 

Durante o evento, o coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo, provocou os(as) parlamentares a avançar com aprovação do Acordo de Escazú. No entanto hoje, um dia após a audiência, o Acordo foi rejeitado na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (Creden). Isso evidencia os desafios enfrentados no Congresso desde que a matéria foi enviada à Câmara pelo Poder Executivo, em 2022.   

“É esse acordo que justamente reconhece os defensores ambientais e reconhece que é preciso garantir transparência nas informações e lidar com esse problema. (…) Em ano de COP no Brasil, o Congresso Nacional poderia dar uma demonstração de sensibilidade com a crise climática e a violência contra defensores(as) de direitos humanos”, afirmou.  

O Acordo de Escazú é o primeiro tratado regional da América Latina e Caribe que dispõe sobre o acesso à informação, à participação pública e à proteção de defensores ambientais. Apesar de ser signatário do acordo, o Brasil precisa aprová-lo e ratificá-lo para assim avançar em sua implementação efetiva. 

O apelo foi reforçado pela presidenta da Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) durante a audiência. Charlene da Silva Borges lembrou que o colegiado enviou um ofício à Creden na última semana pedindo que a Casa ratifique o tratado. “A gente sabe que o Acordo de Escazú é um tratado que reconhece explicitamente o dever do Estado de proteger defensoras(as) de direitos humanos em assuntos ambientais. Sua ratificação é um passo indispensável”, disse.  

 

Institucionalização da Política Nacional de Proteção 

O estado que registrou o segundo maior número de violência contra defensores(as) de direitos humanos (18% do total) foi a Bahia, onde ocorreu o emblemático assassinato da ialorixá e liderança quilombola Mãe Bernadete Pacífico, em 2023, na região metropolitana de Salvador – mesmo integrando o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) desde 2017. Naquele ano seu filho, Flávio Gabriel Pacífico, foi assassinado em condições semelhantes. Jurandy Pacífico, também filho de Mãe Bernadete, participou da audiência e cobrou uma escuta ativa do Estado e das organizações envolvidas na criação do plano de proteção: “Não existe política pra nós sem nós. Como é que você vai formular uma lei para os defensores sem escutar os defensores? Quem sabe a realidade é quem vive ela. Viver para defender é um ato de coragem nesse país”, disse ele. 

A Bahia também foi onde a liderança indígena Maria de Fátima Muniz, a Nega Pataxó, foi assassinada em Potiraguá, em 2024, durante uma ataque ao território com participação de fazendeiros e de policiais militares ligados ao Movimento Invasão Zero, evidenciando a relação da violência contra defensores/as a questões como o recrudescimento dos direitos indígenas (como a aprovação da Lei do Marco Temporal), a violência policial, a atuação de milícias rurais e a expansão do narcotráfico nos territórios indígenas e quilombolas.  

“A polícia poderia ter evitado que aquilo tudo acontecesse. Tinham nove viaturas e eles presenciaram tudo sem prestar socorro. As pessoas que a mataram estão soltas e nós que representamos uma comunidade ficamos muito preocupados. Quem vai defender a gente e nos garantir segurança”, lamentou Nailton Muniz, cacique do povo Pataxó Hã Hã Hãe e irmão da vítima. 

Daniele Duarte salientou que, embora as organizações de direitos humanos e movimentos sociais atuem diariamente na proteção das defensoras e defensores de direitos humanos, essa responsabilidade é, antes de tudo, do Estado brasileiro. “É dever do Estado garantir a segurança, promover investigações céleres e responsabilizar os autores das violências. A falta de resposta efetiva alimenta a impunidade e fortalece novos ataques”, disse.  

As organizações reforçaram a recomendação da institucionalização do Plano Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, com ações articuladas entre os poderes federativos, estaduais e municipais. Uma proposta do texto foi elaborada em processo que envolveu mais de 50 escutas pelo Grupo de Trabalho Sales Pimenta e enviada para o Governo Federal há quase um ano. 

Charlene Borges lembrou que o CNDH também recomendou que o Executivo publicasse, em forma de decreto, o Plano Nacional. “A gente sabe que agora existe a intenção de ter uma lei que, evidentemente, torna muito mais robusta e segura e democrática”, observou.  

Representando o Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania, Cândida de Souza destacou que a proteção exige esforços em diferentes esferas para ter eficácia, com atuação de diversos outros órgãos da administração pública federal, estadual e municipal. “Isso é necessário para que a gente consiga fazer frente aos desafios que estão colocados no cenário de ameaças a defensores no nosso país é em termos institucionais”. 

Da Terra de Direitos, Darci Frigo finalizou destacando a importância da proteção de quem está na linha de frente da luta por direitos para a democracia: “Se um país protege os seus defensores e as suas defensoras de direitos humanos, ele pode ter uma democracia mais saudável. Se ele não protege, essa democracia fica em dívida com essas pessoas que lutam por direitos.” 

 

Assista o debate na íntegra: 

https://www.youtube.com/live/92s01Rup4rI?si=HCZ14kopcIZAX4pQ.

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