
As entidades que compõem a campanha “Sem Licença pra Matar” manifestam profunda preocupação com os projetos de lei sobre Excludente de Ilicitude nº 2.693/2024 e nº 748/2024 presentes na pauta desta terça-feira (1) na Comissão de Segurança Pública do Senado Federal.
Causa espanto o PL 748/2024, de autoria do Senador Wilder Morais (PL/GO), que busca permitir o uso de “força letal” em casos de invasão de domicílio, na qual qualquer cidadão poderia “proteger a propriedade privada”. Inspirado no projeto dos Estados Unidos “Stand Your Ground Law”, a proposta ignora o impacto prático no país onde foi testado: aumento significativo de homicídios e à perpetuação de desigualdades raciais e sociais no sistema de justiça criminal, sem diminuição da criminalidade e com novos problemas decorrentes da privatização da segurança e da criação de grupos armados.
Já no que diz respeito ao Estado, o Projeto de Lei nº 2693/2024 de autoria do Senador Carlos Viana (PODE/MG) busca alterar o Código Penal para ampliar hipóteses de licença para matar para policiais em casos de “conflito armado ou risco iminente de conflito armado” sob o argumento de que “o policial não pode ser tratado como culpado por fazer o certo”.
A formulação dos termos “conflito armado” e “risco iminente” é extremamente genérica e subjetiva, colocando em risco principalmente a vida da juventude negra, principal clientela de abordagens violentas e arbitrárias. Muitos já são os exemplos do uso do termo “risco iminente” por agentes de segurança envolvendo tiros em cenários que incluem crianças (como o caso da menina Ágatha Vitória, de oito anos), pessoas de costas ou com interpretação subjetiva de gestos ou porte de objetos não letais (como furadeiras ou guarda-chuvas).
Além disso, a proteção jurídica dos agentes de segurança pública deve ser garantida por meio do aperfeiçoamento dos protocolos de uso da força, da melhoria da formação profissional, do fortalecimento dos mecanismos de proteção social e trabalhista, e não através da ampliação de excludentes de ilicitude que podem facilitar a impunidade em casos de abuso.
O uso da força deve ser excepcional, proporcional, necessário e a força letal só deve ser empregada quando estritamente inevitável para proteger a vida. A ampliação indiscriminada da legítima defesa para agentes de segurança contraria qualquer princípio moral, mas também parâmetros internacionais, como os descritos nos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pela ONU.
O Brasil registrou 6.393 mortes por intervenções policiais em 2023, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Considerando os últimos dez anos (2013 a 2023), a letalidade policial no país aumentou 188,9%. Além disso, na prática, a licença para matar já existe. Um estudo da FGV/SP que analisou 859 inquéritos criminais constatou que não houve um único policial preso por mortes ligadas a abordagens letais entre 2018 e 2024.
A sociedade já rejeitou o salvo-conduto para matar pessoas sem responsabilização no chamado Pacote Anticrime do então Ministro da Justiça Sérgio Moro, mas a proposta segue sendo retomada sistematicamente em outros projetos de lei. É vexatório que os parlamentares sigam dispensando tempo nesse debate quando poderiam pensar soluções que atenuem de fato os índices de violência, a exemplo do fim dos autos de resistência ou da utilização de câmeras corporais nos uniformes policiais, pauta amplamente apoiada pela população brasileira.
Certas do compromisso desta Casa com os direitos assegurados pela Constituição Federal, as organizações, redes e movimentos que aqui subscrevem solicitam, portanto, a rejeição de todas as propostas tendentes a legitimar a excludente de ilicitude. Pautar projetos que criam uma licença para matar em um país tão violento quanto o Brasil é inconsequente e inaceitável!
Assinam esta nota:
Afronte
Agenda Nacional pelo Desencarceramento
Articulação AIDS RN
Associação Auxilium
Associação de Amigos/as e Familiares de Presos/as AMPARAR (SP)
Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade
Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Espírito Santo (ES)
Associação Desinterna pela Vida e Liberdade da Juventude
Associação de Usuários dos Serviços de Saúde Mental de MG
Associação dos Agentes de Combate às Endemias da Região Metropolitana II do Estado do Rio de Janeiro – AACEMII-RJ
Associação dos Familiares e Reeducandos do Tocantins – AFRETO (TO)
Associação Entre Elas Defensoras de Direitos Humanos do Amazonas (AM)
Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD)
Bloco Carnavalesco EURECA (Eu Reconheço o Estatuto da Criança e do Adolescente)
BONDE – Coletivo de pesquisa sobre violências, sociabilidades e mobilidades urbanas
CEDECA Sapopemba
Centro Comunitário Mario Andrade (PE)
Centro Comunitário pró Construção e Desenvolvimento do Taquaril-BH/MG
Centro de Direitos Humanos de Sapopemba (CDHS)
Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT
Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio
Centro Socorro Abreu de Desenvolvimento Popular e Apoio à Mulher
Coalizão pela Socioeducação
Coletiva Brejo das Sapas – MG
Coletiva de mulheres vidas com artes geração de renda e enfrentamento da violência doméstica- BH/MG
Coletivo: Justiça Por Almas/Mães de Luto em Luta
Coletivo de Educação Popular e Libertária (CEPL)
Coletivo de Familiares da Chacina de Nova Brasília (RJ)
Coletivo de Familiares de Santa Catarina (SC)
Coletivo de Familiares de Vítimas do Acre (AC)
Coletivo de Mães de Manaus (AM)
Coletivo de Mães e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade de Rondônia (RO)
Coletivo de Pesquisa Construindo Juntos CDD
Coletivo Felipa Maria Aranha
Coletivo Mães de Brumado Bahia (BA)
Coletivo Mães do Xingu (PA)
Coletivo Núcleo 2 da Cooperativa Paulista de Teatro
Coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação
Coletivo Saudade de Sergipe – Coletivo de Mães e Vítimas de Violência Policial (SE)
Coletivo Vozes de Mães e Familiares do Sistema Socioeducativo e Prisional do Ceará
Complexos – Advocacy de Favelas
Comunidade de Samba Pagode Na Disciplina
Conectas Direitos Humanos
Educafro Educação para Afrodescendentes e Pessoas Carentes
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE
Federação dos Desportos no Estado de São Paulo (FEDSP)
Feministas – Coletes Rosa
Fórum DCA- Ceará
Fórum Mineiro de Saúde Mental
Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção a Adolescentes no Trabalho- FNPETI
Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará
Fórum Popular de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (FPOPSEG)
Fórum Popular de Segurança Pública do Nordeste
Frente Distrital pelo Desencarceramento (DF)
Frente Estadual pelo Desencarceramento da Paraíba
Frente Estadual pelo Desencarceramento de Alagoas
Frente Estadual pelo Desencarceramento de Goiás
Frente Estadual pelo Desencarceramento de Minas Gerais
Frente Estadual pelo Desencarceramento de Santa Catarina
Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Acre
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Amazonas
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Ceará
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Espírito Santo
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Estado de Sergipe
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Paraná
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Piauí
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio Grande do Norte
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rondônia
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Tocantins
Frente Estadual pelo Desencarceramento Rio de Janeiro
Frente Mineira Drogas e Direitos Humanos
Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP)
Geledes Instituto da Mulher Negra
Grupo de Estudos Guerreio Ramos da UFF
Grupo Tortura Nunca Mais – RJ
Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial
Instituto Akanni
Instituto Búzios (RJ e BA)
Instituto de Cultura e Consciência Negra Nelson Mandela
Instituto de Cultura e Consciência Negra Nelson Mandela
Instituto de Defensores de Direitos Humanos – DDH (RJ)
Instituto de Defesa da População Negra (IDPN)
Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)
Instituto de Estudos da Religião (ISER).
Instituto Liberdade e Emancipação – ILÊ
Instituto Memória e Resistência (GO)
Instituto Mundo à Flora
Instituto Negra do Ceará INEGRA
Instituto Panelladexpressão
Instituto Rede Viva – SC
Instituto Resgata Cidadão
Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC)
Justiça Global
Juventude Manifesta
Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ (LADIH)
Liga Rio Grande do Norte de Combate a AIDS
Mães Pela Paz Goiás (GO)
Marcha das Mulheres Negras de São Paulo
Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro
Mecanismo Estadual de Prevenção e Erradicação à Tortura do Espírito Santo
Mecanismo Nacional de Prevenção e combate a Tortura
Movimento Candelária Nunca Mais (RJ)
Movimento de Familiares das Vítimas do Massacre em Paraisópolis
Movimento de Mães AMAR (RJ)
Movimento de Mães e Familiares de Vítimas da Violência Letal do Estado do Desaparecidos Forçados
Movimento de Mães e Familiares do Curió
Movimento Esquerda socialista (MES-PSOL)
Movimento Esquerda Socilista – Psol
Movimento Mães de Acari (RJ)
Movimento Mães de Manguinhos
Movimento Mães em Luto da Zona Leste (SP)
Movimento Mães Sem Fronteiras (RJ)
Movimento Nacional de Direitos Humanos
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, e Projeto Meninos e Meninas de Rua
Movimento Negro Evangélico do Brasil
Movimento Negro Unificado (MNU)
Movimento Parem de Nos Matar
Movimento Pela Vida de Pessoas Encarceradas do Ceará MOVIPECE
Movimento Xingu Vivo para SempreMulheres Arteiras Sergipe (SE)
NOSSAS
Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Luiza Mahin (NAJUP Luiza Mahin) – UFRJ
Núcleo de Mães Vítimas de Violência (RJ)
Núcleo Memórias Carandiru
Nzinga Coletivo de Mulheres Negras de MG
Pastoral carcerária da Arquidiocese de Natal (RN)
Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil
Pontão Gêneros em Rede
Rede de Advogadas Populares
Rede de Atenção à Pessoa Egressa do Sistema Prisional de MGRede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência (RJ)
Rede de Mães e Familiares de Vítimas da Violência da Baixada Fluminense (RJ)
Rede de Mulheres Negras do Ceará
Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio
Rede Emancipa – movimento social de educação popular
Rede Emancipa – movimento social de educação popular
Rede Justiça Criminal Rede Nacional de Advogados Populares Rio de Janeiro- RENAP/RJ
Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo
Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA
Rede SAPATÀ
Resistência (PSOL)
SACERJ (Sociedade da Advocacia Criminal do Estado do Rio de Janeiro
Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões – SEMPRI
SIDADANIA/RN
Sociedade da Advocacia Criminal do Estado do Rio de Janeiro (Sacerj)
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH
Terra de Direitos
União Brasileira de Mulheres
Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de Sergipe
Mulheres Cuidando Movimentando Territórios (MCMT)