A visita da CIDH foi provocada por organizações da sociedade civil e movimentos sociais, incluindo a Justiça Global.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) realizou uma missão no Brasil entre os dias 2 e 6 de dezembro, com o objetivo central de apurar as consequências da “Operação Contenção” que ocorreu em 28 de outubro nos complexos da Penha e do Alemão. Esta ação policial foi descrita como a mais letal da história do país.
A visita da CIDH foi provocada por organizações da sociedade civil e movimentos sociais, incluindo a Justiça Global. A comissão também teve encontros com importantes órgãos de monitoramento dos direitos humanos, como o Conselho Nacional de Direitos Humanos e o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Em nota, CIDH já havia condenado veementemente o número extremamente alto de mortes registrado na ocasião, instando o Estado a investigar e sancionar os responsáveis.
A Comissão observou que vários deles apresentavam ferimentos por disparos na cabeça e outros indícios que sugerem possíveis execuções extrajudiciais. A violência teve um impacto severo, incluindo restrições à mobilidade e ao acesso a serviços de saúde e educação, afetando desproporcionalmente as populações afrodescendentes e de baixa renda.
A CIDH ressaltou que essa operação reflete um padrão persistente de violência policial no Rio de Janeiro, já documentado em casos como o da Favela Nova Brasília. Dados oficiais mostram que, em 2024, 86% das vítimas de violência policial eram pessoas afrodescendentes, revelando um modelo de segurança baseado no uso excessivo da força, perfilamento racial e criminalização da pobreza.
Agendas da Comissão em Brasília e no Rio
A missão da CIDH teve início em Brasília, onde a comissão se reuniu com autoridades do governo federal, do Judiciário, e diferentes ministérios e agências de Estado. Encontros também ocorreram com importantes órgãos de monitoramento dos direitos humanos, como o Conselho Nacional de Direitos Humanos e o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
No Rio de Janeiro, a comissão cumpriu agendas com o poder público, reunindo-se com o governador Claudio Castro, o prefeito Eduardo Paes, o Ministério Público e a Defensoria Pública, além de diversas outras autoridades e órgãos.
No entanto, um foco significativo da visita foi o contato direto com a sociedade civil. A CIDH realizou encontros específicos onde ouviu mães e familiares de vítimas de diferentes massacres e histórias de violência policial que se arrastam pelas últimas décadas.
A Comissão também esteve no Complexo da Penha para colher informações de organizações comunitárias e ouvir relatos de familiares sobre as violações vivenciadas, incluindo a dificuldade de localizar os corpos, a identificação das pessoas e os indícios de execução sumária documentados.
Moradores e organizações relatam terror e racismo estrutural
A CIDH ouviu mães e familiares de vítimas de diferentes massacres e histórias de violência policial, que relataram o horror recorrente do assassinato de seus filhos e o papel central do racismo na estruturação das mortes e da violência policial. Foi destacado como os territórios de favela, majoritariamente negros, são alvos recorrentes de medidas policiais que resultam em massacre, extermínio e genocídio da população negra.
Nos encontros com a sociedade civil, as mães compartilharam a “história de horror” que se repete com o assassinato de seus filhos e a ausência de representação. Foi destacado o papel “absolutamente central do racismo na estruturação” das mortes e da violência policial no Rio de Janeiro.
As organizações enfatizaram que os territórios de favela, majoritariamente negros, são recorrentemente fruto de medidas policiais que resultam na mesma lógica de massacre, extermínio e genocídio da população negra, independentemente do governo ou política em vigor.
Violações na Operação Contenção
Organizações da Sociedade Civil expuseram à Comissão a grave situação de violação verificada durante a Operação Contenção. Entre os pontos levantados, destacam-se:
- A ínfima utilização de câmeras corporais;
- A ausência de perícia nos armamentos;
- Sinais claros de execução verificados em corpos e registros fotográficos;
- O papel insuficiente do Ministério Público na condução do controle da atividade policial.
A CIDH recorda que o uso da força pelo Estado deve obedecer aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade e responsabilização. A Comissão manifesta preocupação com a persistência do paradigma da “guerra ao crime”, que desumaniza as vítimas e se mostra ineficaz, e defende a urgência de reformular as políticas de segurança com foco nos direitos humanos.
Próximos passos e expectativas
A Comissão Interamericana prometeu emitir um comunicado ou relatório sobre a missão antes do final do ano. A expectativa da sociedade civil é que as recomendações da CIDH sejam robustas, incluindo:
- A investigação e responsabilização contundente sobre os crimes vivenciados na operação.
- A federalização das investigações do caso.
- A determinação da realização de perícias autônomas, para que a apuração não fique a cargo das próprias agências violadoras que participaram da operação.
O Estado brasileiro, por sua vez, mencionou iniciativas recentes visando a redução da letalidade policial, como a decisão do Supremo Tribunal Federal conhecida como “ADPF das Favelas” e a Proposta de Emenda Constitucional sobre Segurança Pública, que busca a criação de instâncias independentes de controle.
A CIDH reitera a necessidade de reformar os protocolos policiais para priorizar a proteção da vida, e de assegurar que o Ministério Público conduza diretamente as investigações criminais, com peritos independentes tendo acesso pleno às provas. A Comissão expressou sua solidariedade às famílias e colocou seus mecanismos de cooperação técnica à disposição do Estado para promover a verdade, justiça e reparação.