A Justiça Global repudia com veemência a tentativa de deputados e senadores ligados à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e à chamada “bancada do boi” de suspender o Decreto nº 12.710, de 5 de novembro de 2025, que institui o Plano Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (PlanoDDH).
O PlanoDDH, reivindicação antiga de organizações de direitos humanos, foi elaborado em cumprimento de duas condenações do Estado brasileiro, a primeira por uma determinação judicial proferida em maio de 2021 pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal 4, acatando uma apelação do Ministério Público Federal (MPF) em uma Ação Civil Pública de 2017, e da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Sales Pimenta vs. Brasil em 2022.
O PlanoDDH, elaborado pelo Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta, composto paritariamente entre Estado e sociedade civil, estabelece diretrizes, metas e responsabilidades para que o Estado atue de forma articulada na prevenção de ameaças, na proteção integral e na responsabilização de agressores de defensoras e defensores de direitos humanos. Os Projetos de Decreto Legislativo (PDL 938/2025 e PDL 939/2025), apresentados por parlamentares ligados ao agronegócio e da extrema direita, na Câmara, a medida enfrenta cinco PDLs de autoria dos deputados Rodolfo Nogueira (PL-MS), Pedro Lupion (Republicanos-PR), Sergio Souza (MDB-PR), Lucio Mosquini (MDB-RO) e Julia Zanatta (PL-SC) e no Senado, foram protocolados PDLs pelas senadoras Tereza Cristina (PP-MS) e Jaime Bagattoli. Estes PDLs representam mais um passo na escalada de ataques às políticas públicas de direitos humanos no Brasil. Esses projetos não apenas distorcem o conteúdo do decreto, como também revelam a intenção de criminalizar novamente os movimentos sociais, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), historicamente perseguido pelos mesmos setores que hoje se colocam contra o plano.
O Brasil continua sendo um dos países mais perigosos do mundo para quem defende os direitos humanos. Segundo o relatório Na Linha de Frente – Violência contra Defensoras e Defensores de Direitos Humanos no Brasil (2023–2024), publicado por Justiça Global e Terra de Direitos, foram registrados 486 casos de violência, incluindo 55 assassinatos, 96 atentados à vida, 175 ameaças e 120 casos de criminalização institucional.
Em média, a cada um dia e meio uma pessoa é atacada por defender direitos humanos. Mais de 87% das vítimas assassinadas atuavam na defesa da terra, do território e do meio ambiente, e 67% das violações ocorreram em áreas rurais, onde o avanço do agronegócio, a grilagem e a mineração seguem como um dos principais responsáveis pela violência. Estados como Pará, Bahia, Mato Grosso do Sul e Paraná concentram as maiores taxas de violência.
Ao atacar o decreto, esses parlamentares buscam impedir que o Estado brasileiro cumpra seu dever constitucional e internacional de proteger a vida e a integridade de defensoras e defensores de direitos humanos. Tentam, sob o falso argumento de “defesa do direito de propriedade”, inviabilizar uma política que nasceu da luta de comunidades, organizações e redes da sociedade civil que atuam na proteção há mais de 20 anos e que constroem e monitoram o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, comunicadores e ambientalistas.
Não é coincidência que a ofensiva venha dos mesmos setores que lucram com o avanço da fronteira agrícola sobre territórios indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, e que tentam silenciar quem denuncia violações ambientais e trabalhistas. São os mesmos atores que, há décadas, buscam reduzir o conceito de direitos humanos à proteção da propriedade privada, enquanto comunidades inteiras são expulsas, ameaçadas e pessoas defensoras assassinadas.
As manobras legislativas da FPA e de seus aliados são parte de uma estratégia política mais ampla de retrocesso: travestem de “defesa da lei” uma tentativa de impedir o avanço de políticas públicas que enfrentam as causas estruturais das violências territoriais no campo. Repetem a velha tática de desqualificar quem luta por justiça social, associando defensoras e defensores à criminalidade, esse mesmo discurso que sustenta a violência do Estado e de grupos privados contra o MST, povos indígenas e ambientalistas em diferentes momentos da história recente do país.
A Justiça Global reafirma que defender defensoras e defensores é defender a democracia. A tentativa de derrubar o Decreto nº 12.710/2025 é uma afronta à memória de quem tombou por defender direitos e um ataque direto às bases da política nacional de proteção a defensoras e defensores de direitos humanos.
Exigimos que o Congresso Nacional rejeite integralmente os PDLs 938/2025 e 939/2025, e que o governo federal se some as organizações da sociedade civil e movimentos sociais e tome a frente na defesa e fortalecimento do Plano Nacional de Proteção, assegurando sua implementação com ampla participação da sociedade civil. É fundamental que o Estado brasileiro garanta recursos, estrutura e prioridade política ao Programa de Proteção a Defensoras e Defensores. Chamamos também as organizações da sociedade civil e os movimentos populares a se unirem na defesa do direito de defender direitos, frente ao avanço de discursos de ódio, da criminalização e das tentativas de silenciar quem luta por justiça social.