Em seminário internacional da UERJ, Justiça Global destaca militarização como recurso de poder político e econômico

Durante três dias, acadêmicos de diversos campos discutiram os desafios para a garantia dos direitos em territórios marcados pela violência institucional.

Entre os dias 2 e 4 de setembro de 2025, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) sediou o I Seminário Internacional Militarização, Circulações e Resistências em Perspectiva Comparada, iniciativa voltada a reunir pesquisadoras/es, organizações da sociedade civil e movimentos sociais para debater os impactos da militarização nos territórios, os mecanismos de violência institucional e as resistências construídas frente a essas práticas. O evento foi puxado pelo Cidades — Núcleo de Pesquisa Urbana, que investiga dinâmicas de ocupação, produção de conflitos e sociabilidade no espaço urbano.

Seminário Internacional Militarização, Circulações e Resistências em Perspectiva Comparada/Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Crédito: Juliana Farias/UERJ.

A coordenadora do Programa Violência Institucional e Segurança Pública da Justiça Global, Monique Cruz, foi uma das convidadas para a mesa-redonda “Militarização, violência estatal, racismo e desigualdades”, realizada no dia 2 de setembro.

Em sua intervenção, Cruz destacou como a militarização opera historicamente na construção da figura do “outro” como inimigo a ser eliminado, processo que se traduz em políticas de segurança pública marcadas pela desumanização de populações negras e periféricas. Ela relacionou esse fenômeno aos ciclos de retirada de direitos e à justificativa da chamada “guerra às drogas”, frequentemente respaldada por interesses políticos e econômicos transnacionais, em especial na América Latina.

A apresentação também ressaltou o trabalho da Justiça Global na prevenção e combate à tortura e na denúncia do genocídio da população negra, compreendido como um processo sustentado pela militarização, pelo racismo estrutural e pela legitimação da violência estatal.

Para Monique Cruz, a militarização tem sido um recurso central do poder político e econômico, tanto na ocupação dos territórios quanto na imposição de projetos de desenvolvimento que reforçam desigualdades e fragilizam direitos humanos.

A mesa contou ainda com as participações de Andrea Teresa Castillo-Olarte (Liga Internacional de Mulheres pela Paz e Liberdade — Colômbia), Luciane Rocha (Kennesaw State University/EUA) e Rachel Barros (UERJ), reunindo perspectivas comparadas sobre os efeitos da militarização e da violência de Estado em diferentes contextos da América Latina e da diáspora africana.

Castillo-Olarte apresentou uma perspectiva feminista e antimilitarista, analisando as conexões entre Estado, forças armadas, grupos paramilitares e igreja na Colômbia, e seus efeitos letais sobre a vida das mulheres. Já Luciane Rocha trouxe um olhar comparativo desde Atlanta, problematizando a adoção de práticas policiais violentas e modelos de gestão de segurança, como o “CompStat 2.0” de Nova York. A partir da Teoria Crítica da Raça, abordou ainda o conceito de “maternidade ultrajada”, desenvolvido em suas pesquisas com mães e familiares de vítimas da violência estatal no Brasil.

Rachel Barros compartilhou reflexões a partir de pesquisas engajadas em favelas do Rio de Janeiro, destacando a produção coletiva de conhecimento com movimentos sociais. Inspirada nos conceitos de Lélia Gonzalez, problematizou o uso do medo como mecanismo de legitimação da violência racista e defendeu a participação democrática de mães e familiares na luta contra as violações de direitos.

O painel reuniu experiências diversas para analisar criticamente como a militarização, a violência estatal e o racismo estruturam desigualdades e reforçam regimes de exceção, mas também para valorizar as resistências construídas nos territórios atingidos.

O seminário reafirmou a importância de articular a produção acadêmica crítica com as práticas e resistências de movimentos sociais, coletivos e instituições comprometidas com a defesa da vida e dos direitos em territórios marcados pela violência institucional.

O evento discutiu temas como:

  • violência, produção de conhecimento e incidência política popular;
  • militarização, violência estatal, racismo e desigualdades;
  • conexões entre lógica bélica e heteronormatividade;
  • etnografias dos conflitos urbanos contemporâneos;
  • resistências e desvios possíveis em contextos militarizados;
  • violências e práticas de contra-investigação forense: desafios nas lutas por memória, verdade, justiça e reparação;
  • gramáticas da violência na produção do espaço; territórios militarizados e desigualdades em perspectiva interseccional;
  • etnografias dos conflitos urbanos contemporâneos;
  • resistências e desvios possíveis em contextos militarizados; vidas militarizadas: o cotidiano na/da política internacional;
  • resistências e desvios possíveis em contextos militarizados.

A conferência de abertura ficou ao cargo da antropóloga mexicana May-ek Querales Mendoza, coordenadora do Grupo de Investigaciones en Antropología Social y Forense (GIASF) e integrante do del Sistema Nacional de Investigadores, com uma palestra com o tema “Territorialidades bélicas y soberanías descentralizadas: reflexiones desde México sobre los actores armados y la seguridad”.

 

 

 

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