
Os militares serão julgados por participar da sequência de crimes que resultou na morte de 11 pessoas, a maioria jovens, na Grande Messejana, em Fortaleza, em novembro de 2015. O Movimento Mães e Familiares do Curió organiza uma vigília na véspera do julgamento.
Nesta segunda-feira (25/08), a Chacina do Curió, que completa dez anos em 2025, ganha mais um capítulo de busca por responsabilização. Sete policiais militares irão a júri popular em Fortaleza, Ceará, acusados de integrar o chamado “Núcleo da Omissão” do processo, por não atuarem para impedir os assassinatos que resultaram na morte de 11 pessoas, a maioria jovens, na Grande Messejana, em novembro de 2015.
Segundo denúncia do Ministério Público do Ceará (MP-CE), os policiais estavam em serviço e em viaturas caracterizadas na região, mas se omitiram diante da violência. A acusação sustenta que a omissão se configura como crime quando o agente público tem a obrigação legal de agir — seja para impedir um homicídio, socorrer vítimas ou garantir a ordem pública — mas não o faz.
Os sete réus responderão por 11 homicídios consumados, três tentativas de homicídio, três crimes de tortura física e um crime de tortura psicológica, todos qualificados por motivo torpe e pela impossibilidade de defesa das vítimas. O julgamento será conduzido pelo Conselho de Sentença, no Fórum Clóvis Beviláqua, a partir das 9h.
Histórico dos julgamentos
Este será o quarto julgamento relacionado à Chacina do Curió. O primeiro ocorreu em junho de 2023 e terminou na condenação de quatro policiais. O segundo, em agosto do mesmo ano, absolveu oito réus por negativa de autoria — decisão que ainda aguarda recurso. Em setembro de 2023, o terceiro júri resultou em condenações parciais, desclassificações e absolvições. O próximo julgamento está previsto para 22 de setembro de 2025, quando outros três réus irão a júri popular.
Desde a denúncia apresentada pelo MPCE em 2016 contra 45 policiais militares, o caso se arrasta em múltiplos processos. Até o momento, parte dos réus foi julgada, mas a morosidade e as absolvições revelam as dificuldades históricas de se responsabilizar agentes do Estado por violações graves de direitos humanos no Brasil.
O caso e sua dimensão
A Chacina do Curió ocorreu na noite de 11 e madrugada de 12 de novembro de 2015, em meio a uma ação de vingança de policiais militares após a morte de um colega. A retaliação foi planejada por meio de mensagens, ligações e comunicações via rádio, e as vítimas foram escolhidas de forma aleatória. Algumas vítimas chegaram a ser retiradas de suas casas e atingidas nas costas e na cabeça.
As execuções ocorreram em diferentes pontos da Grande Messejana, e os relatos apontam que viaturas da Polícia Militar passaram pelos locais sem prestar socorro. Ambulâncias chegaram antes da polícia, mas não conseguiram atuar pela falta de segurança. Famílias e vizinhos tiveram que socorrer os feridos por conta própria.
Entre os assassinados estavam adolescentes de 16 e 17 anos, jovens de até 19 anos e trabalhadores da região. Em um dos episódios mais violentos, uma pessoa que tentava prestar ajuda foi atingida por oito disparos.
Familiares em luta!
Em meados de 2016, familiares vítimas da maior chacina protagonizada por policiais militares na história do Ceará, ergueram o Movimento Mães e Familiares do Curió para lutar pela memória e justiça por seus filhos e entes queridos. Na véspera do júri, às 8h desta segunda-feira (25/08), a Vigília por Justiça mobiliza a população em memória das vítimas e seus familiares, por justiça e por verdade. A manifestação silenciosa será realizada na Rua Dr.Carlos Ribeiro Pamplona, 200 – Edson Queiroz.
Justiça Global manifesta apoio
Nesta sexta-feira (22), a Justiça Global publicou um vídeo em suas redes sociais reafirmando solidariedade às famílias das vítimas da Chacina do Curió. No vídeo, a diretora-executiva da organização ressaltou que a violência policial no Brasil não se limita a casos isolados, mas é expressão de um padrão estrutural que atinge sobretudo jovens negros e periféricos. Ela destacou ainda que, embora chacinas no Sudeste sejam mais conhecidas, episódios semelhantes têm se tornado cada vez mais recorrentes no Nordeste e no Norte do país.
“A Chacina do Curió é símbolo da brutalidade do racismo estrutural no Brasil. A não responsabilização alimenta a repetição de crimes cometidos por agentes do Estado, e a justiça tardia é também forma de violência contra famílias e comunidades que seguem resistindo há dez anos”, afirmou Glaucia Marinho, diretora-executiva da Justiça Global.”