Organizações da sociedade civil reforçam prioridades no avanço dos direitos humanos ao presidente do STF, Edson Fachin. Diálogo é gesto inédito no início de um mandato

No segundo dia de seu mandato como presidente do Supremo, o ministro Edson Fachin ouviu entidades sobre desafios da proteção à democracia e apresentou compromissos para sua gestão, como zerar processos de racismo até 2026 e ampliar a implementação de decisões do sistema interamericano.

Em um gesto inédito no início de um mandato, o ministro Edson Fachin, recém-empossado presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), recebeu na quarta-feira (01) organizações da sociedade civil para discutir os principais desafios da proteção à democracia e dos direitos humanos no Brasil. O encontro — solicitado pelo próprio ministro em seu primeiro dia à frente do STF — reuniu lideranças de diversos setores que atuam na defesa dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito. O presidente do STF também assume a presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).  

A reunião foi aberta por Oscar Vilhena (Comissão Arms e Conectas Direitos Humanos)  articulador do encontro, que ressaltou a importância simbólica do convite feito pelo ministro logo no segundo dia de sua presidência e relembrou o discurso de posse de Fachin, marcado pela defesa do Estado Democrático de Direito. Neca Setúbal (Fundação Padre Anchieta) destacou a relevância do STF na defesa da democracia e no enfrentamento à corrupção e à violência, enquanto Sueli Carneiro (Geledes) apontou o impacto desproporcional da letalidade policial sobre a população negra e os desafios de monitorar decisões como a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 635, conhecida como “ADPF das Favelas”.

Representantes Fórum das Centrais Sindicais, José Eymard Luguercio e Mauro Menezes falaram sobre a precarização do trabalho e a “pejotização”, destacando a necessidade de proteção social para milhões de trabalhadores, além da importância do banimento do amianto. Eliane Barbosa (Plataforma Justa) ressaltou a importância do STF para as eleições do próximo ano, reforçando a solidez institucional e a confiabilidade do nosso processo eleitoral, e alertou para a necessidade do acompanhamento dos efeitos da Resolução CNJ nº 525/2023, garantindo a ação afirmativa também para juízas negras em processos de ascensão na carreira. 

Já Edna Jatobá (Gajop) alertou para os altos índices de letalidade policial do Brasil que hoje são identificados na região Nordeste. Além da necessidade de fortalecimento das decisões produzidas no campo da ADPF 347, que reconheceu a existência de um Estado de Coisas Inconstitucional no sistema prisional brasileiro. Gisele Barbieri (Terra de Direitos) defendeu a ampliação do Observatório de Direitos Humanos do CNJ e o fortalecimento das normativas da Resolução 510/2023 do CNJ sobre despejos e reintegrações de posse. 

Ricardo Terena (Apib)  apresentou a preocupação dos povos indígenas com a regulamentação da consulta prévia livre e informada, defendendo a autoaplicabilidade a partir de protocolos comunitários. Fernanda Campagnucci (Internet Lab) tratou da desinformação, violência de gênero e raça nas redes, vigilância urbana e posição contrária ao uso de spywares pelo Estado. Daniela Fichino (Justiça Global) pediu a ampliação do cumprimento de decisões da Corte Interamericana e maior diálogo intercortes, ressaltando decisões interamericanas sobre a restrição da competência da Justiça Militar, tipificação de desaparecimento forçado, entre outras.

Gabriel Sampaio (Conectas Direitos Humanos) enfatizou a justiça racial e a necessidade de ações afirmativas efetivas nos concursos públicos. Trouxe, ainda, preocupações quanto ao fortalecimento dos Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura. Márcio Santilli (ISA) pontuou a necessidade de enfrentamento à desinformação no âmbito do própio poder judiciário, citando decisões sobre povos indígenas, e Maria Sylvia de Oliveira (Geledés) alertou para o aumento da violência contra a mulher, ataques aos direitos reprodutivos, destacando as dificuldades do acesso aos procedimentos de aborto legal e suspensão da resolução que afeta diretamente crianças e adolescentes vitimas de estupro.  Isabela Henriques e Ana Cláudia Cifali do Instituto Alana reforçaram a importância de protocolos de julgamento na perspectiva da infância e adolescência e os comentários gerais do Comitê da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direitos das crianças.

Compromissos e respostas do ministro Fachin

Escuta ativa e integração com o Sistema Interamericano

Fachin abriu sua fala reafirmando que ouvir a sociedade civil é motor para o desenho de ações concretas. Recordou que seu primeiro ato público foi a inauguração de uma placa em homenagem ao advogado Gabriel Pimenta, cujo assassinato resultou na condenação do Brasil na Corte Interamericana. Anunciou que a primeira sessão de 2025 da Corte Interamericana ocorrerá no STF e que o Brasil fará a oração de abertura, defendendo que “cada juiz brasileiro é também juiz do sistema interamericano”.

Metas para a gestão

O ministro informou que já se reuniu com representantes de 92 tribunais e com 62 associações de magistrados e que pretende zerar os processos relacionados ao racismo até o final de 2026. Falou do compromisso com a paridade de gênero e com o avanço das ações afirmativas.

Proteção a defensores e combate à desinformação

Fachin defendeu que o STF seja um abrigo para pessoas defensoras de direitos humanos e que agressões contra esses atores terão consequências. Manifestou preocupação com a narrativa de que o Supremo seria “inimigo público” das eleições e destacou como prioridade a garantia da ordem eleitoral democrática em 2026. Também prometeu avançar na regulação das plataformas digitais, no combate à desinformação e na criação de um Centro de Estudos Constitucionais para dialogar com saberes não só da academia, mas oriundos de povos e culturas do Brasil.

Direitos indígenas e ambientais

O ministro reafirmou que a pauta indígena estará no centro de sua gestão. Disse que o STF debaterá a mineração em terras indígenas, reconhecendo os diferentes interesses envolvidos, e que pretende abrir as portas do CNJ e do Supremo para ouvir as preocupações quanto ao cumprimento dos protocolos de consulta livre, prévia e informada. Fachin ainda defendeu o reconhecimento dos direitos da natureza e citou seu voto sobre uma cachoeira em Santa Catarina, mesmo vencido, como marco para avanços jurisprudenciais.

Sistema prisional, socioeducativo e litígios estruturais

Sobre o plano Pena Justa, o ministro alertou que “pintura nova não é realidade nova” e que transferências de presos não resolvem a superlotação. Defendeu acompanhamento rigoroso da implementação de decisões estruturais e citou o Habeas Corpus Coletivo do Espírito Santo como exemplo no sistema socioeducativo. Mencionou projeto no CNJ para população em situação de rua e reforçou atenção a despejos e reintegrações de posse.

Rede latino-americana de cortes e enfrentamento 

Fachin relatou que quer consolidar uma rede de cooperação entre tribunais constitucionais e cortes supremas da América Latina, começando pelos países do MERCOSUL, tendo a Corte Interamericana como referência. Criticou a cultura de “prender muito e prender mal”, defendeu a Lei de Organizações Criminosas e reiterou sua posição histórica contrária ao foro por prerrogativa de função. Para ele, segurança pública e direitos humanos “andam juntos” — quem não pensa assim “faz concessões à barbárie”.

O ministro encerrou o encontro com uma mensagem de esperança, reforço à democracia e convite à sociedade civil para que caminhe junto com o STF nos próximos dois anos. Disse estar atento à execução de decisões estruturais e aos desafios de combate à violência de gênero e raça, defesa da infância e adolescência e promoção da diversidade no Judiciário.

Mais do que uma reunião protocolar, o encontro representou um gesto notável de abertura do Supremo Tribunal Federal à sociedade civil. Ao receber organizações no segundo dia de seu mandato e apresentar compromissos concretos com pautas estruturais de direitos humanos e democracia, Fachin sinalizou que pretende marcar sua gestão por diálogo, transparência e participação social, uma postura que reforça o papel do STF como guardião do Estado Democrático de Direito.

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