
Denúncias revelam uso ilegal do Programa de Proteção a Defensoras/es para vigiar indígenas, trabalhadores e parlamentares.
Organizações de direitos humanos e movimentos sociais denunciam em nota pública coletiva publicada nesta quarta-feira (20) o uso pelo Governo do Pará do Programa de Proteção a Defensores/as de Direitos Humanos (PPDDH/PA) para fins de vigilância política e espionagem. Segundo reportagens publicadas pela imprensa, durante a ocupação da Secretaria de Educação (SEDUC), no início do ano, indígenas, trabalhadores da educação e até parlamentares foram monitorados indevidamente por meio da estrutura estatal que deveria garantir sua segurança.
Em vídeo tornado público, o próprio delegado responsável pelo caso admitiu que a espionagem foi organizada pela Secretaria Adjunta de Inteligência e Análise Criminal (SIAC), vinculada à Secretaria de Segurança Pública do Estado (SEGUP). A confissão confirma que os aparatos de segurança do Estado foram utilizados para perseguir movimentos sociais e defensores de direitos, em vez de protegê-los.
Ameaça à democracia
Para as 53 organizações signatárias da nota de repúdio — entre elas, a Justiça Global — o caso não pode ser tratado como um simples erro administrativo. “Transformar um programa de proteção em ferramenta de vigilância é inverter completamente sua finalidade, expondo ainda mais quem já vive em situação de vulnerabilidade”, afirma o documento.
As entidades classificam a prática como um ataque duplo à democracia: primeiro, por colocar em risco a vida e a integridade de defensoras e defensores; segundo, por sabotar a política pública de proteção, violando os princípios de confidencialidade e confiança que sustentam o programa. Além disso, ressaltam que o uso indevido de dados protegidos para fins de perseguição viola frontalmente a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Manifestação questionava retrocessos na educação escolar indígena e foi reprimida pela PM
A ocupação exigia a revogação da Lei Estadual nº 10.820/2024, que altera o plano de gratificações a professoras do Sistema Modular de Ensino (Some), que garante ensino médio presencial em comunidades distantes, e de sua versão para os povos indígenas (Somei). O plano do governo era o de substituir as aulas presenciais pelo ensino à distância.
Em resposta, o governo acionou a Polícia Militar, que cortou energia e água do prédio, lançou spray de pimenta nos banheiros e impediu a entrada da imprensa, do Ministério Público Federal (MPF) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Mesmo diante da repressão, os indígenas forçaram o portão e permanecem no local, mantendo a ocupação da secretaria.
Pará lidera violações contra defensores
De acordo com dados do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), o Pará é o estado com maior número de pessoas incluídas no Programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas. A maioria está ligada a conflitos por terra, território e meio ambiente.
A pesquisa Na Linha de Frente: Violência Contra Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (2023-2024), realizada pela Justiça Global e pela Terra de Direitos, reforça esse cenário: das 486 violações registradas no país, 103 ocorreram no Pará. Em dois anos, foram contabilizados seis assassinatos, sendo 94% das violências direcionadas contra defensoras e defensores ambientais no estado.
Contradição em ano pré-COP 30
O episódio ocorre em um momento sensível para o estado, que se prepara para sediar a Conferência do Clima da ONU (COP 30), em 2025. Para as organizações, há uma contradição gritante entre a imagem internacional de compromisso com o meio ambiente e os direitos humanos que o governo do Pará busca projetar e a prática interna de criminalização e espionagem de quem luta por esses direitos.
Responsabilização e transparência
Na nota, as entidades também reconheceram a atuação do Instituto Universidade Popular (Unipop), gestor do PPDDH/PA, destacando que a organização não teve relação com os fatos denunciados e segue comprometida com a proteção de defensoras e defensores no estado.
As organizações exigem apuração rigorosa e transparente das denúncias, com responsabilização dos agentes públicos envolvidos na ordem, autorização ou execução da espionagem. Alertam ainda que a omissão de providências pelos órgãos competentes pode configurar prevaricação.
“Defender quem defende direitos é proteger a democracia, a dignidade humana e o futuro comum”, conclui a nota.
Foto da capa: @joaopaulofotografia/@casaninjaamazonia