
Estudo revela impactos ambientais, repressão e ausência de consulta a comunidades na região de Varela. Levantamento fez parte de formação com jovens defensores/as de direitos humanos locais, com participação da Justiça Global.
Foi lançado na última quinta-feira (7), em Bissau, o relatório O Desenrolar de uma Crise de Direitos Humanos: a extração de areias pesadas e o impacto nos direitos humanos e ambientais em Varela, Guiné-Bissau. O estudo, resultado de uma parceria entre a University Network for Human Rights e a Justiça Global, com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, documenta graves violações cometidas no contexto da mineração de areias pesadas no litoral norte do país.
Acesse aqui a pesquisa.
A pesquisa, realizada ao longo de seis meses de 2025, reuniu depoimentos de lideranças comunitárias, jovens, mulheres e organizações locais que denunciam impactos sociais, culturais e ambientais provocados pela exploração de minérios por empresas estrangeiras. Representantes da Justiça Global estiveram no país em janeiro, para ministrar uma formação sobre mecanismos internacionais de direitos humanos, e em abril, quando participaram do trabalho de campo junto a ativistas locais.
Apesar do convite, autoridades do Estado não compareceram ao lançamento, realizado na Casa de Direitos. A gravação do evento pode ser acessada neste link.
Formação de jovens defensores/as de direitos humanos e incidência internacional
O relatório integra um projeto de capacitação de jovens defensores de direitos humanos na Guiné-Bissau e pretende subsidiar ações em instâncias internacionais. “Escutamos denúncias de pessoas violentadas e presas sem mandado judicial, além da total ausência de um procedimento adequado no processo de exploração, que deveria respeitar o direito da comunidade local. Nunca houve uma consulta ampla, somente tentativas de suborno de parte da comunidade”, relatou o ativista Carlos Pereira a uma rádio local.
Mineradora ameaça território e modo de vida dos Felupe
Com 2,1 milhões de habitantes e na 174ª posição do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a Guiné-Bissau convive com altos índices de pobreza. Em Varela, a exploração de areias pesadas — utilizadas nas indústrias nuclear, química e eletrônica — avança sem consulta ou consentimento das comunidades e sem benefícios concretos para a população.
O povo Felupe, principal afetado, vê rios antes usados no cultivo de arroz tornarem-se salinizados e contaminados. Áreas de importância cultural e espiritual para populações das atnias Felupes, Manjacos e Mancanhis também foram ocupadas por estruturas da mineração.
Em abril, após um protesto de mulheres contra a atividade, um incêndio atingiu parte das instalações. A reação foi imediata: prisões arbitrárias de lideranças comunitárias, transferidas para a capital e submetidas a condições degradantes. Desde então, a presença militar aumentou, protegendo os interesses de uma multinacional e ampliando o clima de medo.
“Que a experiência de Varela sirva como um alerta sobre a violência neocolonial. Projetos de exploração de recursos naturais precisam estar alinhados às normas internacionais de direitos humanos e basear-se em consultas públicas culturalmente adequadas. O foco não deve ser apenas o potencial econômico, mas a inclusão efetiva das comunidades nas decisões e na distribuição da riqueza gerada”, afirmou Nadejda Marques, cofundadora da University Network for Human Rights e conselheira da Justiça Global, ao Jornal GGN.