Na imprensa: No meio do caminho tinha o racismo

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Opinião  | da Rede de Justiça Criminal, ao Mídia Ninja

Por Matheus Rodrigues e Monique Cruz

Há décadas, capitaneada pelos Estados Unidos, o mundo trava uma infrutífera guerra contra as drogas. O país que foi o principal patrocinador do proibicionismo, na última semana, anunciou perdão a pessoas condenadas por posse de maconha. Já no Brasil, a mudança mais recente sobre o assunto foi a Lei de Drogas de 2006, que aprofundou o que havia começado em 1830 com a proibição da maconha, relacionada à sociabilidade negra.

Pesquisas mostram que apesar de todo o dinheiro investido na proibição, o uso de drogas vem aumentando. De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas 2021, cerca de 275 milhões de pessoas usaram drogas no último ano. Ainda, entre 2010 e 2019 o número de pessoas que usam drogas aumentou 22%. Com base apenas nas mudanças demográficas, as projeções atuais sugerem um aumento de 11% no número de pessoas que usam drogas globalmente até 2030.

Mas por que então se insiste num modelo fracassado? Talvez o equívoco esteja em chamá-lo de fracassado. Afinal, quando falamos do sistema penal e das agências policiais, precisamos ter em mente que eles possuem dois objetivos, um declarado e outro latente. O objetivo declarado das leis proibicionistas é justamente aquele irrealizável pois, por inúmeras razões, é impossível pensar em um cenário de erradicação completa do uso de drogas. O objetivo latente é mais perigoso, e tem a ver com o controle de determinadas parcelas da população, pobres e – considerando a realidade brasileira – majoritariamente negras. Neste ponto, o proibicionismo tem sido extremamente bem sucedido.

Isto porque, invariavelmente, pessoas negras são as mais vitimadas pelas políticas belicistas de guerra às drogas, tanto no que se refere ao número de prisões quanto de mortes provocadas pela polícia: enquanto pretos e pardos representam 54% da população brasileira, eles são nada menos que 84% dos mortos em ações policiais, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública; além disso, de cada três pessoas presas no Brasil, duas são negras. É importante destacar também que mesmo entre as forças policiais há uma grande discrepância na vitimização de brancos e negros: 67,7% dos policiais assassinados em 2021 eram negros, de acordo com o FBSP.

Dito isto, é necessário uma profunda discussão que leve à alteração dos marcos em que hoje se apoia a política de drogas no Brasil. Ao mesmo passo em que cada vez mais recursos públicos são aplicados na guerra às drogas (de acordo com estudo realizado pelo CESEC, o governo do RJ gastou, apenas no ano de 2017, R$ 1 bilhão com a guerra às drogas), pesquisas têm apontado para diversos usos possíveis das drogas, seja na produção de alimentos, vestimentas e até na construção civil, sem falar nos usos medicinais encontrados e comprovados em diversas substâncias, tais como o THC e o CBD da cannabis e mesmo a psilocibina dos chamados cogumelos mágicos.

Para além disso, é importante lembrar que no ano passado o estado de Nova York, nos EUA, legalizou a posse de até 85 gramas de maconha por pessoa, além do cultivo e da venda para aqueles com mais de 21 anos. A expectativa por lá é de que isso signifique uma injeção anual de US$ 350 milhões (R$ 2 bilhões) na economia. Ao mesmo tempo, estima-se que 21 mil empregos sejam criados na indústria da maconha em 2023 naquele estado americano, chegando a 76 mil em 2027. A situação é semelhante em outros países que experimentaram modelos de legalização, como o Uruguai, que apenas em 2018 teve um lucro de mais de US$ 22 milhões (R$ 118 milhões) com a regulamentação da erva.

Parece-nos que não faltam razões que nos levem a questionar a pertinência do modelo proibicionista. Os benefícios possibilitados pela regulamentação da produção, do comércio e do uso de drogas são cada vez mais visíveis. É o caminho mais racional, mas há no meio dele uma pedra construída pelo racismo.

Matheus Rodrigues, membro do Instituto de Defensores de Direitos Humanos DDH e especialista em Direito Penal e Criminologia.

Monique Cruz, assistente social e pesquisadora de Violência Institucional e Segurança Pública da Justiça Global.

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