Supremo Tribunal Federal julga hoje a ADPF das Favelas

Julgamento pode definir medidas estruturais de contenção da letalidade policial no Rio de Janeiro

O Supremo Tribunal Federal julga, nesta quarta-feira (15), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no 635, conhecida como ADPF das Favelas. O julgamento histórico pode determinar medidas que avancem na reestruturação da política de segurança pública no Rio de Janeiro, historicamente violadora de direitos fundamentais da população negra e moradora de favelas e periferias.

A sessão desta tarde será o reinício do julgamento dos embargos de declaração apresentados pelo arguente, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), e pelas diversas entidades e movimentos que figuram como amici curiae na ação. Em 21 de junho deste ano, o ministro relator, Edson Fachin, conferiu efeitos infringentes aos embargos de declaração, proferindo um corajoso voto que concede todas as medidas cautelares pleiteadas. O Ministro determinou, ainda, a criação de um Observatório Judicial da Polícia Cidadã, medida essencial para o monitoramento não apenas da decisão de suspensão das operações policiais durante a pandemia, mas de todas as medidas determinadas para a adequação da ação policial a parâmetros compatíveis com o Estado Democrático de Direito. O julgamento foi interrompido com o pedido de vistas do Ministro Alexandre de Moraes, e retorna hoje como o primeiro item da pauta.

Dentre os pontos essenciais do julgamento, está a determinação de que o Estado do Rio de Janeiro elabore e implemente um Plano de Redução da Letalidade Policial. A medida já foi determinada, em 2017, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, na condenação do Estado Brasileiro no caso Nova Brasília. Entretanto, passados mais de quatro anos, o Estado continua em mora no cumprimento desta determinação, e a letalidade policial no Rio de Janeiro não apenas não decaiu, como atingiu recordes históricos. A escalada só foi refreada em 2020, após a decisão do Supremo que impede a realização de operações policiais durante a pandemia. Mesmo com efeitos notáveis na redução da letalidade policial, acompanhada da redução dos índices gerais de crimes contra a vida e patrimônio, a decisão passou a ser frontalmente descumprida pelas forças policiais fluminenses a partir de outubro do ano passado.

Na esteira do descumprimento despudorado da decisão, o Rio de Janeiro vivenciou a sua maior chacina envolvendo agentes do Estado. Em maio de 2021, 27 pessoas foram mortas pela polícia no Jacarezinho, durante uma operação em que foi morto um policial civil. Vingança foi também a motivação que ensejou a terrível operação do Bope no Complexo do Salgueiro, em novembro, com a morte de 9 pessoas. Apenas em 2021, outras quatro chacinas ocorreram na localidade, totalizando ao menos 26 pessoas mortas até o mês de outubro, segundo dados do GENI/UFF.

Foi também em decorrência do descumprimento frontal à decisão do STF que ocorreram outros casos atrozes de violência policial, como o assassinato de Kathlen Romeu, grávida de 14 semanas. Ao todo, o estado do Rio soma 1215 vítimas de ações policiais em 2021, de acordo com dados do ISP até o mês de outubro. O julgamento do Supremo desta quarta-feira possui também um significado histórico para o enfrentamento ao racismo institucional e ao genocídio do povo negro. Na capital fluminense, pessoas negras correspondem a 89,7% dos mortos pela polícia, segundo dados da Rede de Observatório da Segurança.

Além de determinar a implementação de um plano de redução da letalidade policial, com efetiva participação da sociedade civil, e de um observatório judicial da polícia cidadã, a expectativa é que o Supremo avance na adoção de medidas centrais para refrear as violações de direitos fundamentais. Entre elas estão medidas para assegurar a proteção aos domicílios, à comunidade escolar e às unidades de saúde. Outros pontos essenciais envolvendo a adoção de câmeras em uniformes e viaturas, a proteção a crianças e adolescentes, o socorro a feridos, a preservação de provas e o incremento da transparência e do controle das atividades policiais também estão no centro do julgamento desta tarde.

Acesse aqui o último memorial enviado pelas entidades, entre elas a Justiça Global, ao STF.

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