Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas com tática de militarização: nada de novo no front

Governo Federal anunciou investimento da ordem de 900 milhões em modelo de política de segurança pública que há 40 anos se mostra ineficaz.

O Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas (ENFOC), anunciado, na última segunda-feira (02), pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Flávio Dino, aposta na militarização e no encarceramento para combater o crime organizado, valendo-se de uma lógica de guerra, que já se mostrou inútil e levou à expansão das facções no Brasil.

O anúncio foi uma espécie de memória de políticas passadas que aprofundaram as violações de direitos humanos, por meio da estratégia de enfrentamento armado e da seletividade racial, que identifica no local de moradia da população pobre e negra o cerne dos problemas da segurança pública.  

 A nova onda de investimentos governamentais em políticas de segurança comprovadamente ineficazes e fundadas em estigmas, demonstra que estes gastos públicos têm objetivos no mínimo questionáveis. Primeiro porque o Rio de Janeiro, um dos estados aos quais são destinados tais recursos, tem um dos principais nichos políticos conservadores do país e, nesta região, as pautas encarceradoras podem estimular ainda mais a prática de violência em parte da população que ainda acredita no punitivismo como solução dos problemas da segurança pública do estado. Em segundo lugar, tais aplicações de recursos na militarização tem sido uma praxe de governos que ainda insistem em relacionar políticas de desenvolvimento com políticas repressivas e violentas.  

 Dos 900 milhões anunciados pelo Programa, cerca de 20 milhões vão para a Bahia e Rio de Janeiro. Causa  preocupação extrema o incremento do aparato policial com a compra de armas letais e menos letais, veículos blindados, assim como para a construção de presídios e aquisição de equipamentos como drones com tecnologia de reconhecimento facial. Vale lembrar que a Bahia (com 1.464 mortes decorrentes da ação policial) e o Rio de Janeiro (com 1.330 mortes) representam cerca de 43% do total de homicídios praticados por agentes do estado no país. 

 Além disso, serão aplicados recursos no também requentado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da ordem de 390 milhões de Reais, na construção dos “Centro Comunitários Pela Vida (Comvive)”. Embora obras públicas e intervenções nas cidades tenham tido um papel fundamental na movimentação da economia, especialmente pela criação de empregos, a lógica de investimentos em obras cria espaços “de cidadania” e aumenta o terror na vida de moradores de complexos de favelas e comunidades através de um cotidiano que impõe a presença de mais armas e caveirões. E, como sabemos, esta é a receita do aprofundamento daquilo que as autoridades denominam “criminalidade”.  

A forma e o conteúdo das políticas de segurança implementadas ao longo dos últimos 40 anos demonstram que a violência armada contra populações em territórios pobres do país contribuiu para o aprofundamento da Necropolítica, que envolve muitas formas de matar: do tiro à retirada da água potável, da energia elétrica, dos serviços de saúde, fatos que geram adoecimentos como pressão alta, a ansiedade e a depressão.

Portanto, para a Justiça Global, só existe uma forma possível para que o Brasil possa fazer um enfrentamento ao crime organizado de forma responsável: superando a retórica da “luta do bem contra o mal”, em que o Estado, representante da ordem, ao não utilizar a inteligência de forma adequada, continua tirando a vida de inocentes e manchando de sangue as favelas e periferias do país. 

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