Justiça Global se solidariza com defensores/as da democracia na Guiné-Bissau após governo expulsar jornalistas

Decisão sem justificativa encerra transmissões de veículos portugueses, determina expulsão de correspondentes e agrava cenário de ataques à liberdade de imprensa do país.

NOTA DE POSICIONAMENTO

Às vésperas das eleições presidenciais, o governo da Guiné-Bissau determinou — sem apresentar nenhuma justificativa — o encerramento das transmissões das agências portuguesas Agência Lusa, RTP África e RDP África, além da expulsão de seus jornalistas do país até a próxima terça-feira (19/08). A decisão, do último dia 15/08, soma-se a agressões recentes contra profissionais de imprensa e integra um padrão crescente de ataques à liberdade de informação.

Segundo a agência DW, semanas antes, em 27 de julho, o correspondente da Radiotelevisão Portuguesa (RTP) Waldir Araújo foi agredido e assaltado no centro de Bissau, capital do país. À imprensa local, ele relatou que os agressores alegaram motivações políticas, acusando a RTP de difamar a imagem da Guiné-Bissau no exterior. Araújo vive no país desde 2019.

Em nota pública, a Liga Guineense de Direitos Humanos, que é parceira da Justiça Global, condenou a medida, afirmando que o ato “não é isolado, mas o culminar de um longo processo de ataques hostis contra órgãos de comunicação social com linha editorial independente, tanto portugueses como nacionais. Trata-se não só de uma agressão aberta e sem disfarces à liberdade de imprensa, pilar essencial de qualquer sociedade democrática, mas também de um passo sombrio e vergonhoso que rompe com os valores universais dos direitos humanos e ignora flagrantemente as normas internacionais que protegem o direito à informação”. 

A organização exige a restauração imediata das condições para o livre exercício da atividade jornalística e insta o governo a abandonar “os passos perigosos que conduzem à opacidade, ao autoritarismo e à destruição das liberdades civis”.

O Sindicato dos Jornalistas e Técnicos de Comunicação Social da Guiné-Bissau também repudiou a decisão: “Constitui um grave atentado à liberdade de imprensa, à liberdade de expressão e ao direito dos cidadãos guineenses de aceder a uma informação plural, livre e independente”.

Representante da Ordem dos Jornalistas Guineenses, Antonio Nhaga, declarou à DW que, na Guiné-Bissau, relatar fatos tornou-se um risco “Infelizmente, como sabemos, na Guiné-Bissau há sempre esta questão de ameaças, intimidações e risco de prisão, apenas pelo facto de um jornalista relatar factos”. Já o diretor do escritório da Repórteres Sem Fronteiras (RSF) para a África Ocidental, Sadibou Marong, avaliou que a medida é um “sinal preocupante para o pluralismo e para o direito à informação”. 

Em maio, enquanto uma parte da equipe da Justiça Global estava no país, quatro pessoas chegaram a ser detidas durante protestos no Dia da África, denunciaram nossos parceiros da Liga Guineense. O ato foi puxado pela organização ‘Pó de Terra’ e a Frente Popular, plataforma que congrega associações de jovens e sindicatos.

A medida se insere em um cenário político turbulento. O presidente Umaro Sissoco Embaló, que declarou na última semana sua candidatura independente às eleições de 23 de novembro, já havia adiado o pleito originalmente previsto para dezembro de 2024. O adiamento, marcado por falta de transparência, é contestado pela oposição como inconstitucional e aumenta a incerteza sobre a realização das eleições legislativas e presidenciais.

A disputa sobre prazos eleitorais é agravada por divergências sobre o papel do executivo no sistema semipresidencialista guineense. Desde que assumiu, Embaló tem adotado medidas que concentram poder, como dissolução do Parlamento, demissão do primeiro-ministro eleito e restrição a atividades da oposição, aprofundando a crise institucional.

Com histórico de golpes de Estado, clientelismo e corrupção, a Guiné-Bissau enfrenta desafios persistentes que afetam a qualidade de vida da população, dois terços da qual vive abaixo da linha da pobreza. Apesar disso, a sociedade civil mantém-se ativa na defesa de direitos, e seu papel será determinante para a integridade das eleições de 2025.

A manifestação reivindicava a reposição da democracia, mas também o fim da supressão das liberdades fundamentais no país, em alusão à ordem do Governo de Iniciativa Presidencial que proíbe ações políticas e da sociedade civil nas ruas. Foi a décima tentativa de protesto desde que Embaló dissolveu o parlamento. 

A Justiça Global manifesta solidariedade aos jornalistas, organizações da sociedade civil e defensores de direitos humanos da Guiné-Bissau, que resistem a graves violações às liberdades de imprensa, manifestação e expressão.

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