Crime organizado e direitos humanos: Justiça Global alerta para elo com Estado e devastação na Amazônia em evento internacional

A diretora-executiva Glaucia Marinho expôs a complexidade das milícias, facções e narcotráfico no Brasil durante encontro no México que reuniu especialistas de toda a América Latina.

O entrelaçamento do crime organizado com as estruturas de poder, corroendo instituições e ameaçando territórios, tem se tornado um desafio cada vez maior entre os países da América Latina, região mais desigual e violenta do mundo. Esse aspecto foi destacado pela diretora da Justiça Global, Glaucia Marinho, durante o evento “Criminalidad Organizada y Derechos Humanos”, realizado na Cidade do México entre os dias 2 e 4 de setembro.

A reunião, convocada pela Fundação Heinrich Böll (HBS), a Due Process of Law Foundation (DPLF) e a Misereor, reuniu especialistas e organizações da sociedade civil do México, da Guatemala, de Honduras, de El Salvador, do Equador, da Colômbia , da Venezuela, do Brasil e da Argentina, para analisar as obrigações dos Estados no enfrentamento ao crime organizado sob uma perspectiva de direitos humanos.

No painel de abertura, Glaucia Marinho situou o problema no contexto da América Latina, a região mais desigual e violenta do mundo. “Quando falamos de crime organizado, precisamos compreender que não estamos lidando com um bloco homogêneo”, afirmou. Ela detalhou a atuação de diferentes estruturas no Brasil, como o narcotráfico e as milícias, que compartilham lógicas de poder e coerção, mas assumem formatos distintos em cada contexto. “A polícia brasileira é a mais letal do mundo. Isso não enfraquece o crime; reforça desigualdades.”

A diretora criticou a abordagem predominante no país, que se baseia na lógica do confronto da “guerra às drogas” e atinge principalmente a população negra e empobrecida. “Logo, não se trata de enfraquecer o crime, mas de uma estratégia de reforço das desigualdades e de controle social. Não por acaso, a polícia brasileira é a mais letal do mundo”, denunciou.

Um dos eixos centrais da apresentação foi o impacto do crime organizado sobre defensores de direitos humanos e comunidades tradicionais. Glaucia citou o relatório “Linha de Frente”, lançado pela Justiça Global em parceria com a Terra de Direitos, que documenta casos como o assassinato da liderança indígena Nega Pataxó por uma milícia rural. Na Amazônia, destacou ela, a infiltração de facções criminosas para grilagem, extração ilegal de madeira e mineração resulta em violências brutais e no enfraquecimento da resistência comunitária.

“É importante ressaltar que não existe crime organizado sem vínculos com o Estado, seja por conivência ou por corrupção. No Brasil, há sempre agentes políticos, econômicos e públicos envolvidos nessas redes”, ressaltou.

Para enfrentar essa complexidade, Glaucia defendeu a necessidade de políticas baseadas em dados consistentes, investimento em prevenção com foco na garantia de direitos para a juventude, descriminalização, combate à lavagem de dinheiro e proteção efetiva a jornalistas e defensores. Ela também enfatizou o impacto desproporcional sobre as mulheres, que representam dois terços das pessoas presas por tráfico de drogas e são alvo de violências específicas nos territórios controlados por milícias e facções.

O evento serviu como um espaço crucial para a troca de experiências e a construção de estratégias conjuntas que coloquem os direitos humanos no centro da resposta regional ao crime organizado transnacional.

A programação do evento aprofundou os eixos centrais do problema. Painéis sobre a perseguição penal estratégica, com participação de Miguel La Rota (Colômbia), e o rastreamento de dinheiro ilícito (“follow the money”), com Mercedes de Freitas (Venezuela), discutiram alternativas ao populismo punitivo.

Um dos debates mais agudos focou no impacto ecológico, com a participação de Aiala Couto (Brasil) e Daniel Cerqueira (DPLF), que relacionaram crimes ambientais, narcotráfico e a destruição de territórios indígenas e tradicionais na Amazônia.

O encontro buscou reafirmar a urgência de superar o populismo punivista com dados, evidências e propostas sustentáveis que coloquem no centro as comunidades e a justiça social. No encerramento, as organizações buscaram construir soluções coletivas, reforçando a necessidade de respostas baseadas em direitos humanos, proteção de defensores e combate à lavagem de dinheiro. Para a Justiça Global, o encontro foi um passo crucial para articular uma rede de resistência regional contra um fenômeno que, mais do que criminal, é político e social.

Crédito da capa: Polícia Militar do Amazonas/Divulgação.

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