No dia 05 de novembro de 2015, os moradores das comunidades como Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, do município de Mariana, em Minas Gerais, viviam o terror da mineração. O rompimento ceifou 19 vidas e despejou cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos tóxicos na Bacia do Rio Doce.
O desastre-crime da barragem de rejeitos do Fundão, em Mariana (MG), ocorrido em 5 de novembro de 2015, completa 10 anos neste dia 05. Ocasionado pela atuação da Samarco, joint venture entre a Vale S.A e a BHP Billiton, e pela (falta de) ação estatal na fiscalização do local, é considerado o maior crime ambiental da história do Brasil.
O rompimento ceifou 19 vidas e despejou cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos tóxicos. O rejeito arrastou-se ao longo de 850 quilômetros da Bacia do Rio Doce, atingindo o litoral do Espírito Santo. Comunidades como Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo foram completamente soterradas.
A persistência das comunidades atingidas – muitas delas majoritariamente negras e indígenas – contra a morosidade judicial, a exclusão da participação no processo reparatório e os retrocessos nos mecanismos de não-repetição são marcas dessa década de luta.
A devastação e o racismo ambiental
A tragédia se tornou um exemplo claro de racismo ambiental. Os riscos e impactos recaíram de maneira mais dura sobre grupos historicamente vulnerabilizados. O distrito de Bento Rodrigues, a área mais atingida, tinha 84,3% de sua população composta por pretos e pardos. A omissão do Estado foi crucial, pois a Licença de Operação (LO) da barragem foi revalidada em 2013, 2 anos antes do desastre, mesmo havendo sinais de alertas e risco iminente de rompimento.
O rompimento não foi um acidente, mas um ilícito provocado pela irresponsabilidade das empresas e pela negligência do Estado em sua fiscalização. A lama continha, além de ferro e sílica, metais pesados como manganês, chumbo, cádmio, cromo e arsênio, que se depositam no leito do rio e representam um risco de saúde pública de longuíssimo prazo.
O processo de reparação e a exclusão das vítimas
O caminho da reparação foi marcado por desafios jurídicos e pela centralização das decisões nas mãos das empresas. O processo foi analisado pela geógrafa e pesquisadora Geovanna Januário na terceira edição da publicação Abrindo Diálogos “O desastre-crime na barragem do Fundão: uma análise sobre as violações de direitos humanos, a luta das comunidades atingidas e a busca por justiça socioambiental”.
O desafio mais recente no processo de reparação é o acordo de repactuação, negociado sem a participação dos atingidos e visto como um retrocesso. Esse novo acordo, que busca um modelo semelhante ao de Brumadinho, prevê a extinção da Fundação Renova e do Comitê Interfederativo (CIF), bem como a eliminação das participações sociais estabelecidas pelo TAC-GOV, renegociando todas as medidas e obrigações anteriores.
A exclusão das comunidades das mesas de negociação desmantela a premissa de um processo orientado pela voz das vítimas e enfraquece a possibilidade de uma reparação integral e efetiva. Frente à falha do Estado brasileiro em regulamentar e fiscalizar adequadamente as empresas e garantir a reparação, uma coalizão de entidades, incluindo a Justiça Global, apresentou uma denúncia contra o Brasil ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos em 2019, buscando a responsabilização internacional e a implementação de medidas de não repetição.
A reparação, que deveria ser encarada como um processo contínuo que garanta a centralidade da dignidade das populações afetadas, se tornou mais um artifício de vitimização. O Acordo de Repactuação é um retrocesso que, ao limitar a participação efetiva e comprometer o acesso à justiça, ameaça a reparação integral dos danos causados pela tragédia. A luta continua para que o desastre-crime de Fundão seja totalmente reparado e que a impunidade das corporações não se repita.
A absolvição dos gestores e a impunidade corporativa
Em dezembro de 2024, gestores e diretores da Samarco, Vale S.A e BHP Billiton foram absolvidos pela Justiça Federal. A decisão, baseada na ausência de provas que conectassem diretamente a responsabilidade individual dos réus, foi vista como uma derrota para as vítimas e reforça a percepção de que grandes corporações atuam impunemente no Brasil. A absolvição se deu pouco após a assinatura de um acordo de repactuação que beneficia as empresas.
O processo demonstra a necessidade urgente de uma legislação sobre direitos humanos e empresas, como o Projeto de Lei nº 572/2022, que propõe a criação de um marco legal brasileiro sobre a responsabilidade de empresas em violações de direitos humanos. Também são importantes os mecanismos de pressão e investigação da mineração no Brasil, como a CPI da Mineração.
Crédito da capa: Daniela Fichino/Justiça Global.