
Documento critica abuso da prisão provisória, reconhece impactos sobre famílias e orienta Estados a rever políticas penitenciárias.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) aprovou a Resolução nº 02/25 sobre os direitos de familiares e pessoas com vínculos afetivos de pessoas privadas de liberdade, no marco do 193º Período de Sessões, realizado entre 14 e 25 de julho de 2025. O documento é o primeiro pronunciamento do Sistema Interamericano sobre o tema e representa um marco importante ao reconhecer que cada pessoa encarcerada afeta, em média, cinco pessoas de sua rede familiar e comunitária, em especial mulheres, crianças e adolescentes.
A Resolução chama atenção para os impactos que recaem sobretudo sobre mulheres, crianças, adolescentes, pessoas idosas e com deficiência — agravados quando a pessoa privada de liberdade é responsável pelo cuidado da família. Nessas situações, há ruptura de laços de proteção, perda de cuidados, aumento da carga de trabalho doméstico e maior exposição a discriminação, estigmatização, vigilância e ameaças.
Entre as medidas prioritárias, a CIDH destaca o dever estatal de garantir a manutenção dos vínculos familiares; assegurar que pessoas presas cumpram pena em locais próximos de suas casas; incorporar a perspectiva de familiares nas políticas penitenciárias; oferecer condições de acessibilidade e espaços adequados para visitas, especialmente de crianças pequenas; combater a violência contra familiares; e produzir indicadores sobre a composição das famílias afetadas. O texto reforça princípios de igualdade e não discriminação, o superior interesse da criança e a necessidade de enfoques diferenciados, interseccionais e interculturais, inclusive diante da crise climática.
Além disso, a CIDH ressalta o impacto da prisão sobre a saúde física, mental e emocional de familiares e pessoas com vínculos afetivos, que enfrentam estigmatização, discriminação, vigilância, ameaças e perseguição. Muitas vezes, também encontram enormes obstáculos para manter os laços afetivos devido à ausência de acessibilidade nos presídios e à falta de condições mínimas para visitas.
A Resolução também questiona o uso abusivo da prisão provisória, apontando que ela amplia estigmas, destrói projetos de vida e compromete o desenvolvimento de filhos e filhas.
O documento ainda reitera que pessoas privadas de liberdade têm o direito de permanecer em estabelecimentos próximos de suas casas e que os Estados devem assegurar condições adequadas para a manutenção de vínculos familiares, incluindo espaços apropriados para o convívio com crianças pequenas.
Entre os principais pontos, a Resolução enfatiza:
- o direito à manutenção dos vínculos familiares e afetivos;
- a incorporação da perspectiva de familiares e visitantes na formulação de planos, programas e políticas penitenciárias, incluindo sua participação na vida intracarcerária;
- a obrigação estatal de produzir indicadores sobre a composição familiar das pessoas privadas de liberdade;
- a proteção de filhas e filhos no marco do superior interesse da criança;
- a necessidade de enfoques diferenciados, interseccionais e interculturais, que contemplem desigualdades de gênero, raça e até mesmo impactos derivados da crise climática;
- a adoção de políticas fundadas nos princípios da igualdade e da não discriminação.
“A Resolução vem para reiterar o que vimos evidenciando há décadas: a importância das lutas das pessoas familiares e visitantes nos locais em que as pessoas estão privadas de liberdade. São elas que exercem controle social, que alimentam o corpo e alma, além de serem as pessoas que movimentam os sistemas de garantia de direitos, de prevenção e combate à tortura para minimizar os efeitos letais do cárcere. A Resolução é mais uma ferramenta importante na luta contra o racismo e o sexismo que enfrentamos nessas temáticas”, afirma Monique Cruz, coordenadora do programa de enfrentamento à violência institucional e segurança pública da Justiça Global.
Com esta resolução, a CIDH orienta os Estados a revisar suas políticas penitenciárias e de justiça criminal com vistas a garantir os direitos não apenas das pessoas presas, mas também das famílias e comunidades que sustentam, com luta e dignidade, a resistência frente ao cárcere.
Foto da capa: Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade de Minas Gerais (Grupo de Amigos) e Frente Estadual pelo Desencarceramento de Minas Gerais.