Corte Interamericana de Direitos Humanos julga nesta semana dois casos de trabalhadores rurais da Paraíba

O caso do assassinato de Manoel Luiz será analisado nesta quinta-feira (8) no tribunal na Costa Rica. Já a audiência do caso do desaparecimento forçado do defensor de direitos humanos Almir Muniz será na sexta-feira (9).

O Estado brasileiro vai responder à Corte Interamericana de Direitos Humanos em duas audiências, nesta semana, em San José da Costa Rica. Ambos os casos são relacionados a trabalhadores rurais da Paraíba. Na quinta-feira (8), o tribunal julga o caso do assassinato do trabalhador rural Manoel Luiz da Silva, morto há 27 anos. Já na sexta-feira (9), será a vez da Corte analisar a denúncia por omissão e falta de responsabilização do Estado no caso do desaparecimento forçado, em 2002, de Almir Muniz da Silva, trabalhador rural e defensor dos direitos dos trabalhadores rurais no estado da Paraíba.

Os casos foram peticionados pela Justiça Global, a Comissão Pastoral da Terra da Paraíba e a Dignitatis, além da Associação dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Almir Muniz no caso do defensor de direitos humanos. As audiências começam às 12h (horário de Brasília) nos dois dias e serão transmitidas ao vivo no canal no Youtube da Justiça Global, assim como da Corte Interamericana.

Grupo de trabalhadores rurais, homens e mulheres adultos, erguem foices e bandeiras vermelhas com o símbolo do MST em manifestação no campo.
Almir Muniz e Manoel Luiz eram trabalhadores rurais e integravam o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Foto: Gustavo Marinho: MST.

As duas histórias reiteram um cenário de violações de direitos humanos na luta pela terra no Brasil. “Agora a Corte terá a oportunidade de se pronunciar, em mais detalhes, sobre a relação entre a ausência de uma estrutura fundiária justa, a luta pela terra e a violência contra quem atua nessa luta”, comenta Eduardo Baker, advogado e coordenador de Justiça Internacional da Justiça Global.

“Não são apenas mortos apenas lideranças e defensores de direitos humanos. No campo brasileiro, há um padrão estrutural de violência direcionado a todos os que lutam pelo acesso à terra, aos territórios e por políticas públicas para os camponeses e camponesas. Nossa expectativa é de que as famílias sejam reparadas e que o Estado crie mecanismos e políticas para garantias de direitos para as populações do campo”, reforça Hugo Belarmino de Morais diretor da Dignitatis, professor da Universidade Federal da Paraíba e coordenador do OBUNTU – Observatório interdisciplinar e Assessoria em Conflitos Territoriais.

Caso Manoel Luiz

Em 19 de maio de 1997, em São Miguel de Taipu, na Paraíba, Manoel Luiz da Silva foi baleado por seguranças particulares do proprietário da Fazenda Engenho Itaipu, Alcides Vieira de Azevedo, quando passava por uma estrada no território ao lado de outros três trabalhadores rurais. A vítima tinha 40 anos. Manoel deixou a esposa, Edileuza Adelino de Lima, grávida de dois meses, e um filho de quatro anos, Manoel Adelino.

A investigação e o processo penal do caso, porém, foi marcado por falhas e demora, violando o direito à integridade psíquica e moral dos familiares da vítima, além dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, conforme determina a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

“Houve o julgamento do caso no Brasil, mas todos os acusados foram absolvidos. Os mandantes nunca foram processados, os fazendeiros da época. Com isso, o caso foi levado para a Corte Internacional. Porque o Estado brasileiro, mais uma vez, violou os direitos dessas famílias por não ter feito um julgamento justo nesse caso”, comenta o agente da Comissão Pastoral da Terra da Paraíba João Muniz.

Além da devida reparação aos familiares e investigação adequada do caso, as organizações pedem vinte medidas de não repetição, entre elas, a realização de melhorias no assentamento da reforma agrária onde a vítima morava, que agora leva seu nome; a construção de uma política ampla de prevenção e mitigação dos impactos da violência no campo; e a ampliação de uma política de combate à grilagem de terras.

Caso Almir Muniz

Em 2002, o trabalhador rural e defensor de direitos humanos Almir Muniz, de 40 anos, desapareceu no município de Itabaiana–PB. Sete anos depois, as investigações para apurar o seu desaparecimento foram arquivadas pelas autoridades do Estado, mesmo havendo fortes indícios de que Almir Muniz foi assassinado por um policial civil.

Ele denunciou ameaças que vinha sofrendo e, um ano antes do crime, ele havia alertado a Comissão Parlamentar de Investigação da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba sobre a violência rural e formação de milícias privadas, tendo indicado o envolvimento de agentes do Estado na violência contra os trabalhadores rurais da região.

O julgamento do caso Almir Muniz pela Corte Interamericana será o primeiro caso do Brasil envolvendo o desaparecimento forçado de pessoas no contexto da luta pela reforma agrária e um dos primeiros sobre essa forma de violação de direitos humanos no período pós-88. “Esperamos que a Corte trate da persistência dessa prática no período pós-ditadura, conectando-a com o contexto da realidade fundiária no Brasil. Também será uma oportunidade do tribunal avançar na sua jurisprudência sobre o desaparecimento forçado em casos que envolvem a omissão e conivência estatal, ao invés de atuação direta de seus agentes”, afirma Eduardo Baker.

 

Foto da capa: Enterro das vÍtimas do massacre do Eldorado dos Carajás, ocorrido em 1998. João Roberto Ripper/ Imagens Humanas, 1996.

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