A organização fez intervenção em sessão do Conselho pedindo que sejam recomendadas medidas urgentes para conter a crise no país.
A Justiça Global, organização não-governamental brasileira de defesa dos direitos humanos, pautou os incêndios florestais no Brasil na 57ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, que ocorre em Genebra, Suíça, entre 9 de setembro a 11 de outubro.
Na intervenção, realizada nesta quinta-feira (26) e limitada a 90 segundos, a organização destacou o carácter coordenados dos incêndios florestais que afetam florestas brasileiras na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal e também na Mata Atlântica.
“O cenário resulta não apenas da seca histórica em importantes bacias hidrográficas e das altas temperaturas, mas também das múltiplas dimensões históricas da devastação ambiental e dos conflitos por terra que ocorrem na esteira do uso criminoso do fogo na cadeia do agronegócio”, declarou.
Mais de 50 investigações já instauradas, segundo o governo federal. A Ministra do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, Marina Silva, declarou que, neste momento, qualquer incêndio no Brasil é criminoso.
A apresentação foi feita virtualmente nesta segunda-feira (23), durante o debate geral no qual as organizações participantes puderam chamar a atenção do conselho sobre qualquer tema relacionado aos direitos humanos do mundo.
A organização apresentou as cenas de terror que tomaram os noticiários nas últimas semanas, com fumaça encobrindo 60% do território nacional, mudando a paisagem inclusive em Brasília e em São Paulo. Mais de 500 municípios declararam estado de emergência, inclusive Belém, sede da COP do Clima do próximo ano.
Na terça-feira (18), o governo do estado do Pará decretou emergência devido às queimadas e da seca na região, que afetam a agricultura, o abastecimento de água potável e outras atividades. Na data, o Pará era a unidade federativa com maior quantidade de focos de incêndio nas últimas 48 horas. Foram 1.149 focos em parques e áreas de proteção ambiental, além de outras áreas de preservação, conforme o Inpe.
Quase 300 dos focos de incêndios foram registrados em apenas um dia na terra indígena Kayapó, que fica na cidade São Félix do Xingu. Segundo a Agência Nacional de Águas, a mesma terra indígena Kayapó enfrenta baixas severas no nível dos rios. Essa é a situação do rio Xingu e também do rio Tapajós, na cidade de Itaituba. As terras indígenas Capoto Jarina e Parque Indígena Xingu, no Mato Grosso, chegaram a registrar a formação de um “paredão de fogo” e já sofreram a queima de mais de 110 mil hectares, segundo o mais recente levantamento do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa).
“A sociedade civil do país clama que este Conselho que recomende a adoção de medidas urgentes de fortalecimento orçamentário, governança climática e de recuperação das regiões atingidas, bem como a proteção de defensores ambientais, a mitigação dos efeitos sobre a população mais vulnerável, a investigação e responsabilização dos incêndios criminosos e, não menos importante, que atue para barrar o marco temporal para demarcação de terras indígenas”, concluiu a organização na intervenção ao conselho.
De janeiro a agosto, foram queimados 3 milhões de hectares de florestas em terras indígenas, um aumento de quase 1,4 milhão de hectares em comparação ao mesmo período do ano passado, o que representa um salto de 80% de incêndios em terras indígena, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. O IPAM avalia que os dados sugerem a possibilidade de incêndios florestais externos e fogo criminoso nesses territórios.
Para a Justiça Global, a reforma agrária e a garantia do direito à terra e ao territórios a comunidades tradicionais e povos indígena são fundamentais para enfrentar a crise climática. Mas a demarcação de terras indígenas de forma justa exclui a tese do marco temporal, defendida pela bancada ruralista do Congresso Nacional.
Recordes de focos de incêndio em diversas partes do país
Na última segunda-feira (16/09) o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou mais de 2.300 focos de incêndio ativos no país. O Pará lidera com 1.012 áreas de queimadas; seguido do Mato Grosso, com 420; e o Tocantins, com 279 focos. O Distrito Federal tem o registro de 20 locais com incêndio.
A Amazônia tem a maior concentração dos focos de incêndio, com 59%, com o cerrado caindo para 36%. Desde o início de 2024, já foram praticamente 107 mil focos, um aumento de 75% em relação ao ano passado. Em outro estudo, o INPE apontou que a média de dias seguidos sem chuva aumenta de 80 para 100 no Brasil em 60 anos.
Em julho, o número de queimadas na Amazônia foi o maior registrado em duas décadas, com mais de 1.145 focos de queimadas no bioma, o maior número para o mês desde 2005 (Inpe). Ao final do primeiro semestre, o Pantanal e o Cerrado bateram recordes e registraram a maior quantidade de focos de incêndio desde 1998, início da série história de dados do Inpe.
Pesquisa do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), publicado no periódico internacional Water, mostra que 55% do território nacional já foi afetado pela seca, que é a mais extensa já registrada.
As bacias hidrográficas que estão atualmente em maior condição de criticidade são as dos rios: Paraguai (incluindo a região do Pantanal), Paraná e seus tributários, Amazonas e seus tributários (incluindo o Madeira, o Juruá, Purus, Negro e Alto Solimões), Tocantins, Araguaia, Jequitinhonha, Paraíba do Sul e São Francisco (principalmente na porção de cabeceira).
Direito humanos e meio ambiente
Em julho de 2022, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução declarando que todas as pessoas no planeta têm direito a um meio ambiente limpo e saudável. Poucos dias antes, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia equiparado Acordo de Paris a um tratado de direitos humanos no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.708, que versa sobre a omissão do governo em destinar recursos do Fundo Clima, criado em 2009 para apoiar projetos de enfrentamento às mudanças climáticas.
Foto da capa: Incêndio no Parque Indígena do Xingu em 2020. Crédito: Takumã Kuikuro.