Opinião: Brasil precisa proteger os defensores do meio ambiente

Para que o país retome seu papel-chave na agenda sobre clima e meio ambiente, uma das prioridades é a ratificação e a implementação do Acordo de Escazú.

*Artigo originalmente publicado nas edições impressa e online do O Globo em 25/06/2023.

Apesar dos ares democráticos que se restabelecem no Brasil em 2023 e do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recém-eleito, na COP27, no Egito, o país atravessa o momento mais profundo de sua crise ambiental. O cenário é agravado pelo aumento do desmatamento, do garimpo ilícito na Amazônia Legal, da flexibilização das regras ambientais e por derrotas como a aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 490/2007, que estabelece o marco temporal para restringir as demarcações de terras indígenas e ainda flexibiliza uma série de normas em relação à exploração econômica nesses territórios, como a Justiça Global denunciou em nota.

No entanto, quem levanta sua voz para denunciar as violações de direitos humanos e ambientais relacionadas ao projeto de desenvolvimento fundado no crescimento econômico, em retomada, está exposto a ameaças, ataques e até mesmo à morte. É o que ficou explícito nos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, no ano passado.

Não foi um caso isolado. Dados da Comissão Pastoral da Terra mostram que, entre 2009 e 2019, mais de 300 pessoas morreram em conflitos pelo uso da terra e de riquezas naturais na Amazônia brasileira. Tanto que o Brasil hoje é considerado um dos países mais inseguros do mundo para ativistas ambientais e climáticos pela Global Witness, mesmo contando com o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH).

O Estado brasileiro tem em suas mãos um desafio enorme e urgente. E trocar o pneu com o carro andando exige ir além de ações emergenciais de resposta às crises. É necessário concretizar mudanças estruturais. Para que o Brasil retome seu papel-chave na agenda mundial sobre clima e meio ambiente, uma das prioridades iniciais é a ratificação e a implementação do Acordo de Escazú — o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, à Participação Pública e à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, aprovado em 2018 na Costa Rica. O Brasil faz parte da minoria de países da região que não o ratificaram.

É o único compromisso juridicamente vinculante derivado da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), em 2012, e se constitui como primeiro tratado ambiental da região. É também o primeiro tratado internacional a prever mecanismos de proteção a defensores de direitos humanos em assuntos ambientais.

A sociedade civil brasileira vem se articulando desde o ano passado, por meio do Movimento Escazú Brasil, para defender o instrumento como retomada efetiva de um papel de protagonismo num multilateralismo participativo, de modo a avançar nessa proteção, na transparência dos dados ambientais e na ampla e qualificada participação da sociedade civil nos debates e nas tomadas de decisão — especialmente das populações atingidas pelos impactos provenientes de megaprojetos, que resultaram em graves e impunes crimes ambientais ocorridos nos últimos anos.

O envio do texto da ratificação do Acordo de Escazú pelo Executivo ao Congresso é um primeiro passo para que o tratado se torne lei, movimentação que é notadamente parte da estratégia de alavancar o protagonismo regional do país na pauta ambiental. Agora, o Parlamento precisa estar atento à importância da aprovação do instrumento para fortalecer a governança ambiental e climática no Brasil, como agenda de ontem, de hoje e do amanhã. Se queremos defender o meio ambiente, devemos garantir proteção àqueles e àquelas que o defendem. E o Acordo de Escazú traz essa possibilidade.

https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2023/06/brasil-precisa-proteger-os-defensores-do-meio-ambiente.ghtml

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